29 novembro 2007

 

Diálogos entre George Bush e Condoleeza Rice (3)

Nos jardins da Casa Branca

B.: Pedi-te para nos reunirmos aqui neste sítio recatado dos jardins porque ando descon-fiado: há dias perguntaste-me se havia microfones escondidos na Sala Oval e isso depois fez-me reparar nuns barulhos esquisitos que às vezes faz o meu telemóvel. Será que estou a ser escutado? Não seria isso a máxima desvergonha? O que é que achas?
R.: Bom, eu há muito que não utilizo o telemóvel, e mesmo o telefone, senão para dizer coisas banais. Quando se trata de matéria confidencial ou mesmo reservada, por pouco que seja, só trato do assunto pessoalmente.
B.: Ah sim? Mas porquê? E não me avisavas?
R.: Bom, foram implementados, depois do 11/9, o George deve estar lembrado, porque assinou isso tudo, foram implementados diversos programas generalizados de intercepções telefónicas e electrónicas.
B.: Mas isso era para os terroristas, para os nossos inimigos! Eu não sou terrorista, caramba! Nem falo com eles.
R.: Mas a questão é complexa…
B.: Para ti as questões são sempre complexas…
R.: …porque estes programas generalizados comportam sempre o perigo de efeitos imprevisíveis em cascata, é difícil explicar com pormenor…
B.: Se é difícil, não vale a pena explicares, mas custa, caramba! O próprio presidente escutado!
R.: Bastará dizer que nunca se sabe onde podem ir parar as ramificações de uma ordem de escuta, são o que poderíamos dizer “danos colaterais”, para utilizar a linguagem dos nossos generais…
B.: Generais? Não me fales nesses gajos! Estou fartinho deles! Ao princípio, quando lhes proponho uma guerra, ou uma invasão, ou mesmo que seja apenas um bombardeamento, ficam todos satisfeitos e agradecidos, não levantam quaisquer problemas, tudo na maior. Depois, se as coisas correm mal, a culpa é minha, que não preparei nem analisei os aspectos políticos da questão, e escapam-se sorrateiramente. Primeiro, sorrateiramen-te, depois, escrevem livros a dizer que sempre me avisaram de tudo, dos perigos, dos riscos, etc., etc. E ganham dinheiro com os livros, os sacanas…
R.: Mas precisamos deles, infelizmente os nossos projectos políticos dependem sempre de uma componente militar, a democracia, para ser forte, tem de estar armada…
B.: Ouve lá, diz essas coisas lá fora nos teus discursos, não me venhas com tretas para mim! Mudemos de assunto. Lembras-te do que eu te tinha dito há tempos: tenho de fazer qualquer coisa em grande, para ser lembrado pela história, para ser lembrado positivamente, claro, pois de uma certa imagem negativa já não escapo. Tens alguma ideia para me dar?
R.: Eu pensei seriamente no assunto, porque esse é o interesse de todos nós, de mim própria também…
B.: Linda menina, isso é que é falar!
R.: E acho o seguinte, aliás não é muito original: tentar resolver o conflito israelo-palestiniano.
B.: Ora porra! Desculpa, é isso que tens para me dizer? Não sabes que esse conflito não tem solução?!
R.: Não tem solução enquanto nós não quisermos! Nós temos a faca e o queijo na mão! Israel existe porque nós queremos, eles dependem a 99,9% de nós!
B.: Eu sei, eu sei, há coisas que eu sei! Mas nós também estamos nas mãos deles! Qualquer coisa que a gente fizesse contra Israel, os judeus americanos caíam-nos em cima, e eles têm muito dinheiro e muito poder no nosso país.
R.: Creio bem que isso é em parte um mito, um mito talvez por eles criado, mas em todo o caso temos uma larga margem de manobra. Israel sabe que, a prazo, não digo já longo, a médio prazo, eles têm que se entender com os palestinianos e os judeus americanos também sabem isso, o problema é que Israel tem sido governado nos últimos anos por generais…
B.: Os mesmos sacanas!
R.: Piores, muito piores, pois eles, depois das guerras, que geralmente ganham, mas às vezes também perdem, dedicam-se à política e tornam-se os dirigentes populistas da direita radical e xenófoba…
B.: Vê lá onde vais parar! Eu às vezes penso que tu és uma infiltrada no meu gabinete! Não te zangues, estou a brincar…
R.: Dizer a verdade pode ser radical, mas é importante dizer a verdade, não é verdade?
B.: A verdade é só aqui para nós. Continua.
R.: Portanto, acho que devíamos pressionar o governo israelita, é um governo muito frágil, e o palestiniano, que nem sequer é governo, porque não tem país, ainda muito mais, de forma que poderíamos tentar um compromisso, um compromisso que satisfizesse basicamente Israel, está bom de ver, porque é o nosso grande aliado naquela região…
B.: Assim está bem, assim está bem… um compromisso que deixe as coisas mais ou menos na mesma, é isso?
R.: Isso, mas com uns pozinhos para compensar os palestinianos. Temos que ser hábeis.

Toca o telemóvel de Bush.

B.: Achas que deva atender?
R.: Se não fizer barulhos esquisitos…
B.: Até tu gozas comigo!

Atende.

B.: Era a Laura. Está na hora do almoço, tenho de ir, já sabes como ela é rígida com as horas. Bom, mas apresenta-me então um projecto pormenorizado sobre a iniciativa a tomar. Ficas com tempo para te preparar até porque hoje à tarde tenho de receber dois ou três presidentes africanos ou asiáticos, já não sei, e antes tenho de decorar os nomes deles, que nem sempre são fáceis, os nomes das capitais, algumas coisas sobre os países, para meter um bocado de conversa. É engraçado, ninguém gosta de nós, americanos, dizem, mas depois todos querem vir aqui ao beija-mão, essa é que é a verdade! Até breve!





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