17 outubro 2007

 

A ilusão queirosiana

Como uma citação acarreta outras, como as cerejas, lembrei-me de ir ver o conto de Eça de Queirós “Civilização”, a propósito do texto que há dias transcrevi de Flaubert, o escritor francês coevo do nosso escritor e que sobre ele exerceu influência. Também Eça transmitiu uma imagem nada lisonjeira dos “excessos de civilização” e simbolicamente reduziu a sociedade “supercivilizada” a um monte de lixo. Livrando-se dessa lixeira com um inefável pontapé, o homem reencontraria a bondade, a paz e a felicidade. Apesar de tudo, uma imagem mais idílica, mais optimista e mais ridente, do que a de Flaubert nesse texto. Depois de ter transformado em escombros “O Jasmineiro”, como então designava o palácio de Jacinto em Paris, Eça coloca o grande amigo de Jacinto, o futuro Zé Fernandes d’ “A Cidade e as Serras”, a deambular pelas ruas da Cidade-Luz, após uma rápida visita que fizera à antiga mansão arruinada de Jacinto. E nesse deambular, o amigo de Jacinto vai pensando deste jeito: «E, através das ruas mais frescas, eu ia pensando que este nosso magnífico século XIX se assemelharia, um dia, àquele Jasmineiro abandonado, e que outros homens, com uma certeza mais pura do que é a Vida e a Felicidade, dariam, como eu, com o pé no lixo da supercivilização, e, como eu, ririam alegremente da grande ilusão que findara, inútil e coberta de ferrugem.»
Se tudo se resumisse a uma pura ilusão que se desvanecesse em ferrugem! O pior é que a ilusão continuou por todo o século XX, até se transformar num pesadelo de consequências práticas talvez irreversíveis. E os homens dotados de uma certeza mais pura do que é a Vida e a Felicidade também não despontaram da ilusória beatitude queirosiana.





<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?


Estatísticas (desde 30/11/2005)