22 junho 2007

 

A palavra a José Augusto Rocha

Esta é a resposta do José Augusto Rocha a umas observações que fiz aqui a um comentário seu publicado no Público sobre um acórdão muito badalado do STJ sobre um caso de abuso sexual de criança.
É com atraso que apresento a resposta e disso peço desculpa ao seu autor. Não vou responder de seguida, como fazem alguns directores ou articulistas de jornais, porque considero pouco ético esse procedimento. Possivelmente, as divergências entre nós não serão até tão grandes como aparentam. Mas há um tema que gostaria de retomar mais tarde.
Aqui e agora quero apenas recordar que conheci o José Augusto Rocha no já remoto ano de 1961, em Coimbra, era ele dirigente estudantil activo e abnegado e eu um recém-iniciado nessas lides, como membro da comissão pró-associação do Liceu D. João III, e nunca mais esqueci a forma fraternal, não paternalista, como conduziu os contactos com os "miúdos do liceu", bem como a sua militância genuína e empenhada no combate anti-fascista. Desde essa época, só estive com ele uma vez, haverá cerca de 10 ou 15 anos, mas daqui o quero saudar como exemplo cívico, hoje cada vez mais raro.
E agora a palavra pertence-lhe, prometendo eu continuar o diálogo, mais tarde.



Resposta a Eduardo Maia Costa

Com o atraso próprio de quem é refractário à leitura de blogs e deles unicamente tem notícia por alerta de terceiros, só agora tive conhecimento das considerações de Eduardo Maia Costa de 4 de Junho de 2007, insertas no blog sine die, sob o título “Fidelidade ao Direito, não ao sentimento popular”, com que entendeu criticamente e com a sagacidade que lhe é própria, responder aos extractos da conversa que tive com a jornalista do “Público”, Paula Torres de Carvalho, a propósito do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça sobre o abuso sexual de uma criança, menor de treze anos.
Continuo a pensar que o que nesse artigo opinei e vem extractado, não sofre dos vícios e desvios que me são assacados, pelas razões breves e lineares, que passo a expor.
Desde logo, reitero, sem qualquer contradição, que o Acórdão é rigoroso e bem fundamentado nas várias questões decididas, à excepção da que se refere à medida da pena. O Acórdão não resolve só esta questão, mas outras que lhe foram colocadas. Decide bem, nestas, não julga de acordo com “a melhor justiça possível”, naquela.
Por outro lado, a crítica que faço ao Acórdão quanto à medida da pena e sua fundamentação, não parte, de uma perspectiva mítica e angélica da criança, que supostamente sou acusado de cultivar. Neste domínio, não perfilho a visão melancólica do poeta traduzida na estrofe “mas as crianças, senhor, por que lhe dais tanta dor, porque sofrem assim”; e, já agora, confesso que também sempre desconfiei do chamamento bíblico “deixai vir a mim as criancinhas”, sendo certo, juro, que também nunca acreditei e sempre denunciei a propaganda reaccionária que imputava aos comunistas o perigo de comerem criancinhas ao pequeno almoço… Pelo contrário, sem qualquer desvio ideológico ou perspectiva piedosa sobre a criança, entendo dever ser firme e axiologicamente imperativa a defesa dos direitos sociais e culturais da criança, com total respeito do seu harmonioso desenvolvimento e personalidade, livre de qualquer tipo de violências. Neste particular, discordo das distinções faseadas do acórdão sobre a autodeterminação sexual e desenvolvimento das reacções sexuais das crianças, tal como aquele o faz, no que, aliás, sou acompanhado pelo psiquiatra sexólogo Júlio Machado Vaz, ouvido e transcrito no excelente artigo da jornalista, Paula Torres de Carvalho. Neste domínio, afigura-se-me que as considerações do Acórdão estão mais próximas do antigo tipo legal de crime do “atentado ao pudor sobre criança” do que do actual “abuso sexual de crianças”, daí a sua perspectiva tradicional e conservadora, que continuo a defender.
Tanto quanto julgo perceber, Eduardo Maia Costa defende o ponto de vista de que o juiz é um “servidor” ou “a boca falante” do direito e a lei a essência do Estado. O Estado e o Direito identificam-se na lei, que cumpre ao juiz aplicar, em nome de “todo o povo”. As ideias filosóficas, políticas e jurídicas que estão na base deste positivismo estatista-legalista – e que nos levariam longe na sua discussão – não podem esquecer, na minha opinião, a questão decisiva de saber se a decisão e aplicação do direito aos casos e às situações histórico-concretas da vida, pode sempre valer como justa, questão que coloquei à jornalista, orientado pela ideia de que a verdadeira justiça só será a que se recusa a cobrir com o equilíbrio aparente das justificações formais as verdadeiras injustiças dos desequilíbrios reais, in casu, o verificado desequilíbrio do abuso sexual de uma criança menor de treze anos. Para mim, sentença justa é, além do mais, a que não causa generalizado alarme na comunidade que a recebe. Disse e repito, sem qualquer populismo ou apelo a uma “jurisprudência de sentimentos”.
E assim dou por terminado este nosso desencontrado encontro.
Quanto ao mais, Eduardo Maia Costa, democracia sempre, populismo nenhum!

14 de Junho de 2007

José Augusto Rocha








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