30 junho 2007

 

Cuidado com ele!

(A propósito do tabaco, em tom pessoalíssimo e com bastante erudição)

No dia em que o Parlamento aprovou a lei do tabaco, o jornal “Público” publicou uma crónica soberba de Vasco Pulido Valente, outro dos meus cronistas preferidos. No seu “Às Avessas”, tem crónicas certeiríssimas, cheias de uma ironia mordaz, por vezes corrosiva, e que dão um retrato do Portugal pós-25 de Abril no que tem de mais caricato, mesquinho e provinciano, se bem que, frequentemente, com arrogância, acrimónia, bota-abaixismo e forçando a nota da decadência no mais fiel apego à geração de 70, mas num registo mais conservador e talvez mais nihilista.
A crónica a que me reporto era consagrada, como não podia deixar de ser, aos “benefícios do tabaco”. Li-a no Metro, a caminho do Terreiro do Paço, e foi como um tónico de boa disposição para o dia todo. Não só por esse gosto compartilhado de me sentir às avessas com ele, num momento em que grassa por aí, entre outras formas de fascismo ao nível da vivência quotidiana, o fascismo antitabágico.
Sou um fumador muito moderado e talvez tivesse herdado essa característica do meu pai, que sempre fumou um único cigarro por dia, contrapondo a quem lhe dizia que isso não era vício, que sim, que era, mas a vantagem que tinha sobre os outros fumadores era a de fumar com toda a consciência investida nesse cigarro, concentrando todo o prazer de fumar nesse momento do dia, ao passo que os outros fumadores fumavam inconscientemente, isto é, mecanicamente. Eu também fumo dois ou três cigarros, mas consciente e concentradamente e, por isso, não gosto de ser perturbado nesses momentos. Se, por qualquer razão, tenho de interromper, prefiro deitar o cigarro fora e acender outro mais tarde.
Isto para dizer que sou um fumador praticamente sem ser fumador, o que me permite compreender quer os direitos dos que fumam e pretendem continuar a fumar, quer os direitos dos que não fumam e não querem ser intoxicados pelos cigarros dos outros, muito embora se assista, nesse domínio, a uma intolerância e a uma preocupação com a saúde que já são do âmbito da obsessão irracional. É uma espécie de esquizofrenia sanitária.
Voltando à crónica de Vasco Pulido Valente, ele começa por dizer que «viver sem fumar é como escrever sem pontuação». Depois, vai por aí abaixo e desenrola toda uma série de benefícios de fumar, pontuados por um ritmo que vai desde o levantar ao deitar, passando pelo ritual do almoço e do jantar, pelos momentos de lazer e pelos momentos de trabalho, pelo início de uma tarefa e pelo fim de uma tarefa, pelo arranque para começar e pelo júbilo de ter chegado ao fim, pelas dificuldades que embotam o pensamento e pelas pausas para pensar e voltar atrás («mas principalmente fumar serve para pensar», escreve; já Virgílio Ferreira, num dos volumes da sua “Conta-Corrente” dizia que «suspensão de fumar é suspensão de pensar»), confidenciando, por fim, que o cigarro «é um fiel amigo» com quem se pode conversar e que «substitui a humanidade» (já António Nobre gostava de falar a sós com o seu cachimbo e até o queria levar para a cova, lembram-se? – “Ah! quando for do meu enterro/ Quando partir gelado, enfim,/Nalgum caixão de mogno e ferro/ Quero que vás ao pé de mim”.) Em suma, para Vasco Pulido Valente «o cigarro concentra e acalma. Restabelece, por assim dizer, a normalidade». Torga tem um conto em “Pedras Lavradas”, justamente intitulado «O cigarro», onde, para além de estar presente esse tema da normalização/transgressão/pacificação, foca poeticamente o tema da fraternidade: dois trabalhadores rurais, um dos quais, desesperado, crava um cigarro ao outro, acaba por obtê-lo e diz: «Não sabe o favor que me fez! Se me nega o cigarro, éramos dois desgraçados!» Mas, em vez da desgraça, o que aconteceu foi isto: (…) «eram agora dois homens pacificados, bons, naturais e fraternos como a paisagem. E nessa mansidão se separaram».
Pois para quê isto tudo, todas estas citações, que provavelmente qualquer censor fascista, do tipo daqueles que foram ao retrato de André Malraux, esse perene fumador, e o arrancaram da boca, está a preparar-se para, afiando a velha tesoura dos coronéis, cortá-las nas próximas edições, que aparecerão já expurgadas do hediondo vício? Já não cortaram o “suave” ao “Português”, que agora é só “Português” para quem o vê empacotado e “suave” para quem o sente? Para quê tudo isto? Para dizer que é preciso cuidado com o tabaco. Ele não apresenta só malefícios, e, ao fim e ao cabo, a humanidade sempre precisou de uma qualquer droga. Uma das maiores drogas dos tempos actuais é a televisão, que também gera dependência, apatia e maus hábitos, senão mesmo tendências criminosas. Se os fumadores são doentes e devem ser tratados como doentes, também os que querem forçar a cura não são bons da cabeça, nem gente muito normal. Não se deve fumar à toa, de forma a prejudicar terceiros, segundo hábitos adquiridos com demasiada liberalidade, mas também não se devem radicalizar as medidas proibicionistas, quer haja quer não haja justificação razoável, e muito menos remeter os fumadores para campos de concentração, onde, na exiguidade do espaço, darão uma trégua ansiosa ao vício, como pretendem muitos imãs do fundamentalismo antitabágico.

 

As invisiveis manhas da decisão

A propósito na decisão proferida nas provas de agregação do Prof. Saldanha Sanches não resisto a apelar à leitura do artigo do Prof. JJ Gomes Canotilho na JULGAR nº 1, Janeiro/Abril de 2007 sobre «As invisiveis manhas da decisão nos tribunais académicos». «A invisibilidade é total quando se chega à fase da fundamentação. Em grande número de casos de júris académicos primeiro decide-se e depois adapta-se a fundamentação à decisão».
Absolutamente oportuno.

 

A palavra e a coisa

Depois da crónica de ontem do Manuel António Pina no Jornal de Notícias, o léxico português foi enriquecido com mais um termo: “berardização”. Mas “berardização” não é só um termo; é um fenómeno social e político, mental e cultural, que define muito da situação portuguesa em que nos encontramos. Se não, vejam:


Um país “berardizado”
É óbvio que, ao contrário do que tem vindo nos jornais, Berardo não insultou nem humilhou Mega Ferreira. Humilhante para alguém com a estatura intelectual de Mega Ferreira, teria sido ser elogiado por alguém como Berardo. Para comprar arte basta ter dinheiro; não é, como se prova pela figura junta, preciso ter educação ou bom gosto. Parece que Berardo tem dinheiro, e é natural que a facilidade com que “comprou” ao Governo o Centro Cultural de Belém (com a singularíssima particularidade de o Governo ainda lhe pagar para ele comprar) o tenha convencido de que tudo está à venda. E pelo menos muita coisa está, ou o Governo não assistiria de cócoras ao achincalhamento público de um seu delegado (na SIC, Berardo chegou, entre mais mimos “à la Jardim”, a chamar doente mental a Mega Ferreira). O CCB é apenas um episódio da crescente “berardização” do país. E o deslumbramento venerador e obrigado da luzida representação governamental na inauguração do museu apenas outro. O que fez o pé de Berardo escorregar de novo para a chinela foi o facto de a “sua” bandeira não ter sido hasteada ao lado da do CCB. Ainda há-de chegar o tempo em que a bandeira de Berardo terá que ser hasteada ao lado da bandeira nacional ou em vez dela, ou Berardo demite o Governo.
Manuel António Pina

29 junho 2007

 

Tratado «modificativo» da União: o que pode mudar na Justiça

Um apontamento para salientar três aspectos que poderão implicar alterações, nem sempre positivas, no modo de realizar a justiça na Europa, no futuro.
A CARTA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS não fica incluida no novo tratado mas será objecto de um Protocolo anexo (com o Reino Unido de fora e consgrando algumas excepções à Polónia).
No que respeita às políticas de Justiça e Negócios Estrangeiros será criado um regime europeu comum de asilo, as decisões em matéria de cooperação administrativa (policiária e judiciária em matéria penal) passam a exigir maioria qualificada (com o Reino Unido e a Irlanda de fora) e fica consagrado do principio de reconhecimentgo mútuo das decisões judiciárias.
Ficará consagrada a «perspectiva»de uma Policia Europeia de Fronteiras e de um Ministério Público Europeu.
O debate seguirá oportunamente.

 

Jocosidade e subchefes


Os ignorantes que não compreendem a base normativa do notável despacho 13288/2007 devem ser esclarecidos que os subchefes têm o dever funcional de tornar os seus subordinados, especialmente os que não estão integrados na cultura de modernidade, medrosos. Só os subchefes zelosos que «tomam medidas relativas» a «termos jocosos», susceptíveis de atingir os chefes, manifestam «reunir as condições para garantir a observação das orientações superiormente fixadas para prossecução e implementação das políticas desenvolvidas».

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28 junho 2007

 

O alarme social e a comunicação social

A propósito de um texto publicado por Maia Costa e de autoria do advogado José Augusto Rocha, eu gostaria de dizer o seguinte (e perdoe-se-me ser parte interessada no assunto, bem como o tom jocoso, mas não indecoroso da tirada: Assim como é preciso “não confundir o irmão germano com o género humano”, é preciso não confundir o “alarme social” com comunicação social. Infelizmente, a comunicação social (parte dela) é muitas vezes responsável, pelo seu exacerbado sensacionalismo, pelo tal alarme social ( e a isto voltarei em prosa mais de fôlego e mais reflectida).
Permita-se-me que transcreva, ainda a propósito, a conclusão final do comentário tecido por Maria Paula Ribeiro de Faria (professora da Universidade Católica Portuguesa) na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, n.º 2, do Ano 16.º, a respeito de uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça – a das palmadas correctivas, que tanto alarme social suscitou na comunicação social. Depois de analisar e concluir pela correcção do referido acórdão, diz-se a terminar no mencionado comentário:
«A sua leitura atenta e integral constitui, aliás, uma advertência séria contra os riscos que podem advir para o prestígio dos tribunais e para a função de julgar, em sujeitar à discussão e escrutínio públicos afirmações e frases descontextualizadas e avulsas retiradas de uma sentença sem ter feito o devido enquadramento e explicada toda a dimensão do problema que nela se decide, sem ser exposta a fundamentação das decisões tomadas e a articulação e encadeamento que elas levam entre si. Assim como uma conduta deve ser valorada por inteiro em face do tipo legal de crime para se poder formular um juízo sobre ela, não é possível dizer o que quer que seja sobre o mérito ou demérito de uma sentença sem conhecer em rigor os factos, as normas a aplicar e os fundamentos da decisão que consubstancia».
Não digo que isto se aplique ao Dr. José Augusto Rocha, que foi dos poucos que leu a decisão que agora tem estado em foco e cuja crítica respeito, embora não a aceite, mas aplica-se seguramente à grande maioria dos comentários e críticas (se assim se lhes pode chamar) que foram feitos na comunicação social e até (pasme-se! em programas de entretenimento), tendo inclusive sido referidos, em jornais e revistas de referência (o que quer que isso seja) como constantes do acórdão afirmações idiotas que dele não constam de todo.

 

Tony out

Parece que desta vez é mesmo de vez. Tony finally out.
Não foi fácil. Foi preciso que o Partido Trabalhista o despedisse, antes que o Partido fosse despedido nas próximas eleições.
Este simpático cavalheiro desde cedo mostrou numerosas qualidades. Com boa apresentação, muito patuá e falando bem inglês, poderia ter ido para vendedor de automóveis (ou mesmo de aviões, tal a sua lábia) ou apresentador de concursos na televisão, mas resolveu dedicar-se à política e essa foi a desgraça dele, e a nossa.
Conseguiu, de facto, uma coisa notável: fazer do Partido Trabalhista, estatutariamente o partido dos sindicatos, o partido apoiado entusiasticamente pelas confederações patronais nas duas últimas eleições.
Tudo parecia correr bem quando resolveu embarcar no mesmo barco do Bush, fazendo de comissário de bordo ao serviço do comandante. Os ingleses não lhe perdoaram tanta subserviência, tanta submissão. E não lhe perdoaram sobretudo as mentiras sobre o Iraque. Os ingleses têm muitos defeitos, mas não suportam a mentira. Tony devia saber isso. Mas os prestidigitadores, quando estão no palco, julgam que podem manipular a plateia como querem. Desta vez a plateia vaiou e expulsou o ilusionista, farta dos seus truques, dos seus estafados "números". (Em Portugal é que estão os mais inconsoláveis e saudosos admiradores, com destaque para José Manuel Fernandes e Teresa de Sousa, incansáveis nos ditirambos para Tony).
Agora vai como "enviado especial" do "Quarteto" (!!!) para o Médio Oriente. É como que um movo mandato britânico na Palestina, agora já não propriamente ao serviço da própria Inglaterra, mas do amigo americano e do israelita.
Que credibilidade poderá ele encontrar? Nenhuma, ele sabe isso. Mas ele confia, apesar de tudo, em que conseguirá ainda inventar alguns truques novos. Mas não será fácil, porque aquele público está farto de habilidades.

 

Os anais da CIA

Confirma-se o que já se sabia sobre as "ilegalidades" (para utilizar uma palavra amável) da CIA nos anos 50 a 70. Não há, pois, novidades, Aliás, alguém acreditaria que fossem desclassificados documentos com autênticos segredos de Estado?
De qualquer manbeira, as "revelações" servem também para confirmar que as práticas da CIA nestes tempos de "terrorismo internacional" não são inovadores. Intromissões (mais um eufemismo) na vida interna de países estrangeiros, recurso à tortura nos interrogatórios, espionagem interna aos opositores políticos, tudo isso é velho.
É a própria marca da instituição.

27 junho 2007

 

Ministério Público e Tribunais (1) - Gestão de recursos humanos


As reflexões internas e externas sobre o MP têm em regra um ponto em comum, independentemente das perspectivas diversas e antagónicas sobre organização e gestão de meios e processos, objectivos e mecanismos de execução, e, fundamentalmente as múltiplas considerações de ordem genérica: a ausência de destaque à realidade, esgotadas as tradicionais formas paroquiais, não existe nenhum sistema interno, bom ou mau, de gestão e selecção de recursos humanos (em particular no plano técnico profissional), com excepção de uma dúzia de lugares que dependem de indicação do procurador-geral da República.

 

Ainda o ironista liberal


Em aditamento a este postal, uma chamada de atenção para a selecção de testemunhos sobre o impacto de Rorty na Slate.

26 junho 2007

 

A sombra, a luz e o «dar para o exterior a imagem»

O percurso do comendador Joe Berardo, que há muitos anos se apresenta como exemplar, foi durante um longo período objecto de uma visibilidade moderada, felizmente nestes últimos tempos começou a receber a notoriedade merecida. Veja-se o encantamento mediático com as suas sonoras performances nos preparativos e desenlaces da OPA da SONAE à PT e da Assembleia Geral do BCP (estrelato que ultrapassouo peso em percentagem de acções).
Naturalmente tal atenção exigia um espaço institucional adequado, «o Benfica faz parte da minha cultura», e a brilhante tirada pós Rui Costa «Hello», que constituiu um ensaio para o maior sucesso cultural autóctone das últimas décadas: a estreia museológica de ontem. As fotos, e as belíssimas entrevistas do duo responsável pelo evento (por coincidência ao que suponho o Benfica também faz parte da cultura do primeiro-ministro José Sócrates), levaram-me, então, a pensar que para a plenitude do retrato só faltava, ainda que num lugar secundário, o imprescindível assistente cultural Alexandre Melo. Hoje com o desenvolvimento da guerra das bandeiras e a cena «sangue azul», revejo essa impressão: a luz a quem a merece para a posteridade... os outros podem continuar nas, também muito reveladoras, sombras.

E, como se não bastasse, a nação ainda teve o privilégio de assistir à exteriorização de uma pungente sinceridade com o reconhecimento de que a «única intenção [foi] dar para o exterior a imagem de uma certa unidade de propósitos entre a Fundação a que V. Exª [o comendador] preside e a Fundação Centro Cultural de Belém», os sacríficos que se fazem com a «única intenção [de] dar para o exterior a imagem de uma certa unidade de propósitos»! O exterior agradece.

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25 junho 2007

 

O dedo em riste

Houve quem gostasse ao princípio. Até intelectuais. O dedo em riste era (finalmente!) a autoridade (democrática, já se vê!) de que todos estávamos precisados. Era um dedo letal para os inimigos (os conformados, os preguiçosos, os privilegiados). O dedo apontado era não só um estilo, era um programa, era a promessa, era a esperança renascida.
Agora, parece que há gente que começa a ter dúvidas (e os tais intelectuais também). A esperança é uma flor de retórica, as promessas desfazem-se contra os actos, o programa está em farrapos.
Resta o dedo. Esse continua em riste. E não cessa de agitar-se, fulminante, em todas as direcções.

 

Guerra por outsourcing

São inquietantes as notícias sobre a cada vez mais importante utilização de empresas de segurança na guerra no Iraque.
O recurso a mercenários envolve necessariamente um agravamento dos riscos de descontrolo da estratégia militar e política, e de violação dos direitos humanos.
A própria ética militar anda muito por baixo, como ficou provado com os tristes episódios de Abu Ghraib.
Mas estas empresas e estes "assalariados" actuam à margem de qualquer código ético ou até jurídico, e o seu papel é precisamente fazer o trabalho mais sujo, sujar ainda mais o que já é sujo.

 

E a toxicodependência?

Dos numerosos candidatos à CM de Lisboa já se ouviram muitas ideias e propostas.
Mas há uma matéria que tem estado fora das suas preocupações: a toxicodependência.
Afinal, o que pensam sobre isso? Que estratégia pretendem adoptar? Que recursos vão afectar? Concretamente, são a favor ou contra as salas de consumo?
Vão ficar caladinhos até ao fim? Será possível?

22 junho 2007

 

O «risco extraordinário» da poesia

Uma editora Norte Americana pretende publicar um conjunto de poemas escritos por alguns dos detidos em Guantanamo. Trata-se de poemas recolhidos por alguns dos defensores dos reclusos, entre eles Marc Falkooff, professor de direito, que defende 17 cidadãos do Yémen aí detidos. Para o Pentágono a divulgação dessa poesia traz «um risco extraordinário», dadas as possíveis mensagens cifradas que possam conter. O The Independent e o El País publicaram um dos poemas. Escrito por Jumah al Dossari, 33 anos, preso no Paquistão e detido desde 2003 em cela de isolamento. 13 tentativas de suicídio desde que está detido.

Poema de muerte

Tomad mi sangre.
Tomad mi sudario de muerte y
Lo que queda de mi cuerpo.
Tomad fotografías de mi cadáver en la tumba, solo.
Enviádselas al mundo,
A los jueces y
A la gente con conciencia,
Enviadlas a los hombres de principios y mente justa.
Y dejad que carguen con su culpa, ante el mundo,
Por este alma inocente.
Dejad que pese sobre ellos, ante sus hijos y ante la historia,
Este alma inocente destruida,
Este alma que ha sufrido a manos de los "protectores de la paz".


 

A palavra a José Augusto Rocha

Esta é a resposta do José Augusto Rocha a umas observações que fiz aqui a um comentário seu publicado no Público sobre um acórdão muito badalado do STJ sobre um caso de abuso sexual de criança.
É com atraso que apresento a resposta e disso peço desculpa ao seu autor. Não vou responder de seguida, como fazem alguns directores ou articulistas de jornais, porque considero pouco ético esse procedimento. Possivelmente, as divergências entre nós não serão até tão grandes como aparentam. Mas há um tema que gostaria de retomar mais tarde.
Aqui e agora quero apenas recordar que conheci o José Augusto Rocha no já remoto ano de 1961, em Coimbra, era ele dirigente estudantil activo e abnegado e eu um recém-iniciado nessas lides, como membro da comissão pró-associação do Liceu D. João III, e nunca mais esqueci a forma fraternal, não paternalista, como conduziu os contactos com os "miúdos do liceu", bem como a sua militância genuína e empenhada no combate anti-fascista. Desde essa época, só estive com ele uma vez, haverá cerca de 10 ou 15 anos, mas daqui o quero saudar como exemplo cívico, hoje cada vez mais raro.
E agora a palavra pertence-lhe, prometendo eu continuar o diálogo, mais tarde.



Resposta a Eduardo Maia Costa

Com o atraso próprio de quem é refractário à leitura de blogs e deles unicamente tem notícia por alerta de terceiros, só agora tive conhecimento das considerações de Eduardo Maia Costa de 4 de Junho de 2007, insertas no blog sine die, sob o título “Fidelidade ao Direito, não ao sentimento popular”, com que entendeu criticamente e com a sagacidade que lhe é própria, responder aos extractos da conversa que tive com a jornalista do “Público”, Paula Torres de Carvalho, a propósito do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça sobre o abuso sexual de uma criança, menor de treze anos.
Continuo a pensar que o que nesse artigo opinei e vem extractado, não sofre dos vícios e desvios que me são assacados, pelas razões breves e lineares, que passo a expor.
Desde logo, reitero, sem qualquer contradição, que o Acórdão é rigoroso e bem fundamentado nas várias questões decididas, à excepção da que se refere à medida da pena. O Acórdão não resolve só esta questão, mas outras que lhe foram colocadas. Decide bem, nestas, não julga de acordo com “a melhor justiça possível”, naquela.
Por outro lado, a crítica que faço ao Acórdão quanto à medida da pena e sua fundamentação, não parte, de uma perspectiva mítica e angélica da criança, que supostamente sou acusado de cultivar. Neste domínio, não perfilho a visão melancólica do poeta traduzida na estrofe “mas as crianças, senhor, por que lhe dais tanta dor, porque sofrem assim”; e, já agora, confesso que também sempre desconfiei do chamamento bíblico “deixai vir a mim as criancinhas”, sendo certo, juro, que também nunca acreditei e sempre denunciei a propaganda reaccionária que imputava aos comunistas o perigo de comerem criancinhas ao pequeno almoço… Pelo contrário, sem qualquer desvio ideológico ou perspectiva piedosa sobre a criança, entendo dever ser firme e axiologicamente imperativa a defesa dos direitos sociais e culturais da criança, com total respeito do seu harmonioso desenvolvimento e personalidade, livre de qualquer tipo de violências. Neste particular, discordo das distinções faseadas do acórdão sobre a autodeterminação sexual e desenvolvimento das reacções sexuais das crianças, tal como aquele o faz, no que, aliás, sou acompanhado pelo psiquiatra sexólogo Júlio Machado Vaz, ouvido e transcrito no excelente artigo da jornalista, Paula Torres de Carvalho. Neste domínio, afigura-se-me que as considerações do Acórdão estão mais próximas do antigo tipo legal de crime do “atentado ao pudor sobre criança” do que do actual “abuso sexual de crianças”, daí a sua perspectiva tradicional e conservadora, que continuo a defender.
Tanto quanto julgo perceber, Eduardo Maia Costa defende o ponto de vista de que o juiz é um “servidor” ou “a boca falante” do direito e a lei a essência do Estado. O Estado e o Direito identificam-se na lei, que cumpre ao juiz aplicar, em nome de “todo o povo”. As ideias filosóficas, políticas e jurídicas que estão na base deste positivismo estatista-legalista – e que nos levariam longe na sua discussão – não podem esquecer, na minha opinião, a questão decisiva de saber se a decisão e aplicação do direito aos casos e às situações histórico-concretas da vida, pode sempre valer como justa, questão que coloquei à jornalista, orientado pela ideia de que a verdadeira justiça só será a que se recusa a cobrir com o equilíbrio aparente das justificações formais as verdadeiras injustiças dos desequilíbrios reais, in casu, o verificado desequilíbrio do abuso sexual de uma criança menor de treze anos. Para mim, sentença justa é, além do mais, a que não causa generalizado alarme na comunidade que a recebe. Disse e repito, sem qualquer populismo ou apelo a uma “jurisprudência de sentimentos”.
E assim dou por terminado este nosso desencontrado encontro.
Quanto ao mais, Eduardo Maia Costa, democracia sempre, populismo nenhum!

14 de Junho de 2007

José Augusto Rocha




21 junho 2007

 

Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, liberdade de expressão num canto da Europa, «guardiões das liberdades» e «violadores das mesmas»


Nos últimos anos têm merecido alguma atenção mediática, perfeitamente justificada, condenações de Portugal no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), por força de sentenças penais de tribunais nacionais terem sido julgadas compressões da liberdade de expressão incompatíveis com a Convenção.
Ainda no passado mês de Abril Vital Moreira fez eco da notícia do Público sobre a mais recente condenação por esse motivo, com conclusão do blogonauta relativa ao funcionamento dos poderes estaduais nacionais: «Em vez de serem os guardiões das liberdades, alguns dos nossos juízes actuam como violadores das mesmas... ».
Ontem, o professor de Coimbra, em reacção à notícia de uma queixa crime do primeiro-ministro contra o blogonauta Balbino Caldeira por este ter escrito diversos textos sobre o seu percurso académico, considera que tal constitui um «erro». O que parece uma estrita continuidade doutrinária, contudo, não o é, já que se no anterior postal se assumia a tese principialista e jurídica, no texto de Junho a crítica da via da repressão criminal é de raiz essencialmente estratégica e política «as agressões morais em política não devem em princípio ser dirimidas no foro penal, mesmo que sejam penalmente relevantes» (o problema nas condenações é que os factos não podiam ser considerados penalmente relevantes).
Aliás o facto de as anteriores referências a acórdãos do TEDH serem feitas por remissão para notícias de jornais não obstou ao remate do último postal de Vital Moreira: «as queixas-crime dos governantes, mesmo quando justificadas, só costumam servir para dar palco aos agressores, que ainda por cima se transformam em vítimas de "delitos de opinião", com o aplauso geral da imprensa, que adora episódios destes».
Neste quadro talvez seja bom recordar algo, que está para além do «aplauso geral da imprensa», da jurisprudência do TEDH no caso Mestre e SIC c. Portugal de 26 de Abril de 2007 (só existe a versão em francês):

«22. La Cour rappelle que, selon sa jurisprudence bien établie, la liberté d'expression constitue l'un des fondements essentiels de toute société démocratique, l'une des conditions primordiales de son progrès et de l'épanouissement de chacun. Sous réserve du paragraphe 2 de l'article 10, elle vaut non seulement pour les « informations » ou « idées » accueillies avec faveur ou considérées comme inoffensives ou indifférentes, mais aussi pour celles qui heurtent, choquent ou inquiètent. Ainsi le veulent le pluralisme, la tolérance et l'esprit d'ouverture, sans lesquels il n'est pas de « société démocratique ». Telle qu'elle se trouve consacrée par l'article 10 de la Convention, cette liberté est soumise à des exceptions, qu'il convient toutefois d'interpréter strictement, la nécessité de toute restriction devant être établie de manière convaincante. La condition de « nécessité dans une société démocratique » commande à la Cour de déterminer si l'ingérence litigieuse correspondait à un « besoin social impérieux ». Les Etats contractants jouissent d'une certaine marge d'appréciation pour juger de l'existence d'un tel besoin, mais cette marge va de pair avec un contrôle européen portant à la fois sur la loi et sur les décisions qui l'appliquent, même quand elles émanent d'une juridiction indépendante (voir Lopes Gomes da Silva c. Portugal, no 37698/97, § 30, CEDH 2000 X). [...]
«26. La Cour constate qu'il n'est pas contesté que la condamnation en cause s'analysait en une ingérence dans le droit à la liberté d'expression des requérants. Nul ne conteste non plus qu'une telle ingérence était prévue par la loi – les dispositions pertinentes du code pénal et de la législation en matière de presse et d'opérateurs de télévision – et visait un but légitime, à savoir la protection de la réputation ou des droits d'autrui, au sens de l'article 10 § 2. En revanche, les parties ne s'accordent pas sur le point de savoir si l'ingérence était « nécessaire dans une société démocratique ». [...]
«28. Il convient de rappeler ensuite, comme la Cour l'a déjà fait à plusieurs reprises, qu'il y a une distinction fondamentale à opérer entre un reportage relatant des faits – même controversés – susceptibles de contribuer à un débat dans une société démocratique, se rapportant à des personnalités politiques, dans l'exercice de leurs fonctions officielles par exemple, et un reportage sur les détails de la vie privée d'une personne ne remplissant pas de telles fonctions (Von Hannover c. Allemagne, n 59320/00, § 63, CEDH 2004 VI). [...]
«32. Prenant en compte l'ensemble des éléments exposés, la Cour estime qu'un juste équilibre n'a pas été ménagé entre la nécessité de protéger les droits des requérants à la liberté d'expression et celle de protéger les droits et la réputation du plaignant. Si les motifs fournis par les juridictions nationales pour justifier la condamnation des requérants pouvaient ainsi passer pour pertinents, ils n'étaient pas suffisants et ne correspondaient dès lors à aucun besoin social impérieux.
«33. En conclusion, la condamnation des requérants ne représentait pas un moyen raisonnablement proportionné à la poursuite du but légitime visé, compte tenu de l'intérêt de la société démocratique à assurer et à maintenir la liberté d'expression, raison pour laquelle il y a eu violation de l'article 10 de la Convention.»

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20 junho 2007

 

A revolução silenciosa

Ao ouvir hoje, pela rádio, a ministra da Educação, que falava em “revolução tranquila e silenciosa” a propósito do que se vai passando no universo escolar português, eu pensava cá para mim: “Eia! Aqui está a definição que faltava. Revolução tranquila e silenciosa! Sobretudo silenciosa”. E acudiam-me à lembrança tristes conotações desse adjectivo “silenciosa”, sobretudo quando associado às maiorias – “maiorias silenciosas”, aquelas que dão corpo às grandes revoluções que os chefes iluminados interpretam tão bem, na sua ligação carnal aos sentimentos profundos das massas. E também me ocorria que do “silencioso” ao “silenciamento” vai um passo, ou tão só um pequeno deslize de sentido. Por exemplo, esse tão bem ilustrado pelo caso da Associação dos Professores de Matemática. Estes ousaram uma crítica à ministra e logo foram considerados auto-excluídos da comissão de acompanhamento da disciplina, isto é, foram obrigados a passar à “revolução silenciosa”.
Também o caso Charrua se revela como um exemplo dessa passagem ao silenciamento. Na sua mal esclarecida evolução (de graçola a injúria grosseira), o que dele principalmente ressalta é a fomentação da denúncia como forma de calar os opositores e premiar os que denunciam, sobretudo quando está em causa a imagem do chefe. E aqui denúncia refere-se à pior e mais abominável forma de denúncia – aquela que alimentou um regime que um certo “25 de Abril” teve a pretensão de abolir. Será então isto a tal “revolução silenciosa”?

19 junho 2007

 

Rorty


Imerso em tarefas e ausente em viagem, só ontem soube da morte de Richard Rorty ocorrida em 8 do corrente.
Queria escrever algo sobre o significado, para mim, da leitura de Rorty, mas constato que nos rascunhos não resisto à deriva demasiado pessoal ou pomposa(1).
Também não se justifica um obituário absolutamente dispensável, já que os interessados podem encontrar vários satisfatórios, veja-se por exemplo aqui e aqui e, em particular, o escrito por Habermas aqui.
Para recordar alguém que nos influenciou pela escrita basta voltar às suas palavras, o que vou fazer e repetir sempre que me apetecer.

«David Lewis once said that philosophy is a matter of collating our intuitions and then finding a way to keep as many of them as possible. I think that it is a matter of treating both intuitions and accusations of paradox as the voice of the past, and as possible impediments to the creation of a better future. Of course the voice of the past must always be heeded, since rhetorical effectiveness depends upon a decent respect for the opinions of mankind. But intellectual and moral progress would be impossible unless people can sometimes, in exceptional cases, be persuaded to turn a deaf ear to that voice.» (Truth and Progress – Philosophical Papers III, Cambridge University Press, 1998, p. 137)

(1) Basta-me, por ora, sublinhar como referente para participar na esfera pública o conceito popularizado por Rorty de «ironista liberal» que não é confundível com qualquer niilismo mas expressa uma forma de preservação da «utopia liberal», tão difícil nos actuais contextos nacional e internacional.

18 junho 2007

 

A guerra ao terror e as garantias do processo


Mais uma importante decisão, proferida em 11-6-2007, agora do Fourth Circuit of the U.S. Courts of Apeals, no caso Al-Marri v. Wright. O acórdão sustentado na argumentação produzida em notáveis alegações do advogado de defesa do Centro Brennan e por diversas pessoas e entidades que agiram como amicus curiae num exercício, pela sua existência e pela seriedade e competência assumida na defesa dos valores, revelador da natureza da democracia em causa (textos também acessíveis na rede). O recorrente encontrava-se detido desde 12-12-2001, inicialmente por ilícitos financeiros associados a indícios de ligação à Al Qaeda, e em 23-6-2003 passou a «beneficiar» do estatuto de «combatente inimigo» por decisão presidencial, transitando da jurisdição do departamento de justiça para a do ministério da defesa. O acórdão determinou que Al-Marri deveria ser sujeito a um julgamento em tribunal comum, com o direito a confrontar as provas da acusação devendo em consequência deixar de estar sujeito à detenção militar.

Este acórdão não conforma uma rotura com repercussão generalizada nas decisões da actual administração norte-americana, até porque o decidido reporta-se a detenções no território norte-americano (não abrangendo detidos no exterior, nomeadamente na base de Guantanamo). De qualquer modo constitui mais um elemento que, para além de denotar a grave crise produzida nos direitos civis pela «guerra ao terror», expressa as tensões existentes num complexo contexto de contradições em que a sociedade civil (ser desconhecido noutras paragens) é central no pluralismo de uma democracia que, mesmo num momento crítico, preserva o espaço de assunção da liberdade e responsabilidade individuais em antinomia com o poder estadual e os seus temporários titulares.

 

Desconsolo

Desconsolo- De regresso a casa ver um retrato deprimente num artigo único afinal dividido em 7 outros, escrito que, sem ser uma peça em três actos, retrata fielmente informador, mandante, autor e um contexto muito significativo. Um texto que sem dúvida atenta contra a honra do Estado.... e há tantos basílios, moreiras e pereiras ao dispor, para (tentar?) pôr na linha FP’s que sem o devido temor reverencial constituem obstáculos para a modernidade, modernidade, modernidade.

PS. A abreviatura FP’s reporta-se a funcionários públicos, obviamente.

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Combatentes inimigos internos

Para os combatentes inimigos externos da administração Bush, o lugar próprio é Guantánamo, ou alguma prisão desconhecida, e o melhor que lhes pode acontecer é passarem pelas mãos das comissões militares "ad hoc" (mas sem pressas, porque não há prazos a cumprir).
Para os combatentes inimigos internos, a coisa é mais complicada. Porque, tendo sido encontrados e detidos em território norte-americano, difícil é negar-lhes as garantias constitucionais de defesa.
Foi isso mesmo que decidiu um tribunal de recurso da Virgínia. O Departamente da Justiça ficou "desiludido" e vai recorrer. Vamos lá ver como termina o folhetim.

 

KKK: justiça tardia ou injustiça?

Saudada com júbilo politicamente correcto a condenação de um antigo membro da KKK pela morte de dois negros há 43 anos!
Não me associo aos festejos, por duas razões. Desde logo, porque entendo que um sistema penal que não prevê a prescrição do procedimento criminal não é justo. A perseguição penal do autor de uma infracção, ainda que tão grave como um (ou dois) homicídio(s) por motivo racista, mais de 40 anos depois dos factos, é um atentado à paz jurídica.
Por outro lado, no caso, a condenação foi obtida à custa de um pacto com outro envolvido nos factos. É a justiça negociada, a famosa "plea bargaining": concede-se a impunidade a um delinquente para este, em troca, denunciar outro. Um sistema assim é injusto e é perigoso.
Já agora recomendo a leitura de um livro recém-aparecido, justamente intitulado Plea Bargaining, da autoria do nosso companheiro de blogue Pedro Soares de Albergaria. É a única monografia que há em Portugal sobre o tema. E contém uma incisiva reflexão crítica, muito oportuna.

 

Velocidade excessiva e outros excessos

Conduzir em Espanha com excesso de velocidade, desde que superior em 60 km/hora ao permitido nas povoações e em 80 km/hora nas auto-estradas, vai passar a ser crime, punido com prisão, embora substituível normalmente por multa.
Assim legislou a maioria socialista, com apoios vários, mas com a oposição do PP, do PNV e da IU (a oposição do PP só se compreende por ser precisamente oposição).
É um caso típico, académico, de escola, a ser ensinado futuramente nas faculdades de direito, de "direito penal simbólico". Os poderes públicos legislam, o povo agradece, reconhecido, o "pulso firme" de quem manda, depois tudo fica igual, porque é impossível aplicar uma lei assim, porque a sinistralidade não vai diminuir.
Surpreende, de qualquer forma, o radicalismo de uma tal medida, tão votada ao insucesso. Só como medida pré-eleitoral ou para distrair as atenções de outros males se pode justificar uma iniciativa tão abstrusa.
Mas vamos lá ver se a moda não pega...

17 junho 2007

 

Sense and sensibility

«Sense and sensibility». De que vale a vastidão dos debates sobre as relações entre a comunicação social e a justiça quando se emitem entrevistas televisivas, autorizadas (?) a arguidos detidos em prisão preventiva na véspera do seu julgamento?
Seria preferível lerem Jane Austen!

07 junho 2007

 

Uma nova cortina na Europa

Depois da vitória na guerra fria, os EUA, batendo palmadinhas amigas nas costas dos sucessivos ocupantes do Kremlin, foram cercando militarmente a Rússia. Primeiro na Ásia Central, ao longo da Sibéria, agora no centro da Europa, com uma cortina de mísseis, a substituir a antiga cortina de ferro (só que esta é mais para lá).
A Europa, a União Europeia, põe-se do lado dos EUA. Seria de esperar coisa diferente dos dirigentes actuais?
A eleição da Rússia como inimigo ou pelo menos adversário militar é um absurdo. A Rússia faz parte da Europa, a Europa não está completa sem a Rússia. Ainda há pouco tempo, Eduardo Lourenço recordava isso mesmo. É possível imaginar a cultura europeia sem Dostoievski ou Tolstoi ou Tchaikovski (etc., etc., etc.)? Qual é mais europeia: a Rússia ou a Turquia?



 

"Scooter"

O antigo chefe de gabinete de Dick Cheney foi agora condenado por um tribunal federal americano por perjúrio e obstrução à justiça. A história é suja, como quase tudo o que sai da Casa Branca desde que está ocupada pelo actual inquilino: para desacreditar um crítico da agressão ao Iraque, "confidenciou" à imprensa "factos" que punham em causa a honorabilidade daquele, mas simultaneamente revelou dados que levaram à identificação da mulher do dito crítico como agente secreta da CIA, o que constitui um crime federal.
Apanhado nas teias da lei, acabou por ser abandonado, em benefício do verdadeiro estratega da operação: Karl Rove, o conselheiro de Bush, entretanto "desaparecido". É uma história tão rasca que dá vómitos.
Mas há mais: "Scooter" tem a expectativa de um perdão presidencial no final do mandato! Como não? É o mínimo que se exige para que a história não seja completamente imoral...

04 junho 2007

 

Odores corporais

Mais do que nunca, chegou a altura de os evitar, de os combater.
Não é só uma questão de higiene ou de educação. É sobretudo de segurança pessoal.
É que, na Alemanha, a polícia anda a recolher os odores corporais de suspeitos para investigação criminal. A ministra da Justiça parece ter dito que não é ilegal. A polícia diz que o odor corporal é como uma impressão digital (!).
Por incrível que pareça, a única desconfiança que este novo meio de prova suscitou foi por ter sido outrora (outrora agora, diria o Pessoa!) usado pela famosa Stasi na ex-RDA. Portanto, o meio, em si, não é mau, se usado em democracia...
Esta ideia de que em democracia vale tudo, de que em democracia tudo é democrático, leva, como se sabe, a caminhos perigosos (Guantánamo, etc.).
Acresce que se trata efectivamente de um meio de prova demasiado intrusivo na intimidade das pessoas para poder passar no crivo do nº 8 do art. 32º da nossa CRP.
Em todo o caso, bons desodorizantes é o que se recomenda.
E a indústria da especialidade que se prepare para um acréscimo de procura.

 

De bicicleta ou de burro?

É conhecida a preferência de António Costa pelo burro enquanto meio de transporte urbano. Estranha-se, por isso, que ontem tenha passado o dia a andar de bicicleta para estimular o uso da bicicleta em Lisboa.
Aliás, estando a diminuir assustadoramente o número de burros (os asininos, claro), o candidato do PS poderia dar um contributo importante para inverter essa situação.
O burro na margem Norte, o camelo na margem Sul: um novo colorido na paisagem urbana da Grande Lisboa.

 

Fidelidade ao direito, não ao "sentimento popular"

Foi com surpresa que vi hoje no Público, entre aspas, o que quer dizer citação literal, a opinião de um advogado ilustre e progressista (José Augusto Rocha) sobre o acórdão do STJ que suscitou ultimamente grande polémica. Começa por dizer que o acórdão é "rigoroso e bem fundamentado", para acrescentar surpreendentemnente que "ao valorar os factos o tribunal manifesta uma perspectiva conservadora e que não tem em conta o sentimento da comunidade jurídica provocando surpresa e mesmo escândalo".
Em primeiuro lugar, parece-me contraditório que um acórdão "rigoroso e bem fundamentado" possa sofrer dos vícios que lhe são apontados. Mas adiante.
Estranha é a acusação de o acordão veicular uma perspectiva conservadora. Parece-me exactamente o contrário. O acórdão reage contra uma imagem deformada e ideológica da criança, como ser angélico e isento de "pecado", que corresponde precisamente a estereótipos conservadores e tradicionalistas muito arreigados em certos sectores e ultimamente reforçados agressivamente pela comunicação de massas. O que o acórdão faz é adoptar uma perspectiva realista e despreconceituosa na análise dos factos, lutando contra preconceitos, estereótipos e tabus. Como pode ser considerado "conservador"?
Mas o pior vem a seguir. As declarações não são completamente claras, mas parece denunciarem a ideia de que as decisões judiciais devem conformar-se com o "sentimento da comunidade".
Ora, tal posição, que é realmente estranha vinda de quem vem, é de rejeitar frontalmente. A função dos juízes é a de declarar o direito do caso concreto, não a de procurarem consensos. É a fidelidade ao direito que lhes confere inclusivamente legitimidade para decidir. Por isso, eles não se devem preocupar com a "popularidade" da decisão a proferir, mas apenas com a sua conformação com o direito. Seria romper o mandato que lhes é conferido constitucionalmente pelo povo, por "todo o povo", em nome do qual decidem, decidir segundo uma perspectiva que, ainda que maioritária, ainda que tendencialmenhte consensual, contrariasse o direito.
Uma justiça que andasse ao sabor das preocupações ou gostos ou preconceitos veiculados pela comunicação de massas, que se arvora em instância moral da comunidade, seria uma caricatura. Mais: seria um perigo real para a democracia!

02 junho 2007

 

Os chiqueiros onde chafurda certa imprensa

Agradeço por este meio os inúmeros telefonemas e mensagens de telemóvel de apoio que tenho recebido de amigos de toda a parte e que não tenho paciência para responder. Ainda por cima, como uma desgraça nunca vem só, fui contemplado esta semana (azares do sistema de sorteio) com duas distribuições excepcionais de providências urgentes (um “habeas corpus” complicado em termos materiais e um mandato de detenção europeu) que me obrigam a trabalhar durante o fim de semana e a antecipar a sessão no Supremo para a próxima quarta-feira, visto que na quinta é feriado.
Nos meus agradecimentos incluo os magníficos textos que neste blogue se escreveram (sobretudo Pedro Soares Albergaria e o Maia Costa) tomando como pretexto a histeria gerada à volta do acórdão que eu assinei como relator e que teve a concordância dos meus três adjuntos. Do ponto de vista teórico e de reflexão são textos magníficos.
Permitam-me que expresse aqui a minha indignação pelos processos infames que certos órgãos de comunicação social usam para conseguirem os seus objectivos torpíssimos, nomeadamente certos “tablóides”, particularmente o “24 Horas”. Nunca pensei que se pudesse ir tão longe na perversidade e na hediondez. Eu já podia ter aprendido, uma vez que tenho alguma experiência nesta matéria, mas que querem? Também por causa dessa minha mania de que é preciso não ter medo dos meios de comunicação social (embora, aqui, o designativo “meios de comunicação social” seja um eufemismo), acabei por aceitar a solicitação de jornalistas, ou assim ditos, que, por telemóvel, me pediram para explicar a razão do abaixamento da pena neste caso de abuso sexual de crianças. Quando pensava que estava a esclarecê-los, estava era a ser indecentemente instrumentalizado para outros fins absolutamente repelentes.
No dia seguinte, sem que me tivesse sido comunicado previamente que tencionavam dar forma de entrevista à conversa, chaparam no jornal com uma grosseira montagem, em que puseram na minha boca afirmações que eu nunca fiz – afirmações aberrantes e idiotas, com ressaibos porno e gozos acanalhados, inclusive manipulando uma fotografia minha, de há muitos anos atrás, que arranjaram abusivamente, não sei por que processos, mas que eu calculo de onde provirá, porque estou lembrado de umas fotografias que tirei há anos no JN, por entre computadores e mesas de trabalho da Redacção, com o fim de escolherem uma para personalizar as crónicas que comecei a escrever regularmente para aquele jornal. Uma fotografia completamente destoante no tempo, no lugar e no modo, cuja inserção no dito tablóide – o “24 Horas” – com aquele enquadramento, não visava senão o meu achincalhamento. Não é verdade que pareço que estou a rir-me alarvemente daquelas palavras idiotas que me são atribuídas?
Confesso: nunca pensei que a pulhice desta comunicação social menosprezasse de forma tão ostensiva e criminosa todos os limites do decoro, da boa-fé, da deontologia profissional e da vivência comunitária.
É para que conste e para que todos os meus leitores se ponham a recato em situações idênticas.
No que me diz respeito, o mal está feito, e bem o tenho sentido na quantidade de abordagens de que também sou alvo. Há muita gente que me conhece pela fotografia e de escrever durante anos a fio no JN, e nem quer acreditar no que viu no “24 Horas”. Mas já que o mal está feito, vou levar o caso até às últimas consequências. O que lamento é que haja uma quantidade de peritos (juristas, psicólogos, pedopediatras, sexólogos encartados) que se disponham sempre (eles vivem disso, do protagonismo na comunicação social) a darem um arzinho da sua graça, muito conspícuos, muito doutores, muito senhores dos seus ridículos papéis, sem, afinal, saberem o que estão discutir. Estamos no país-do-faz-de-conta.

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