28 abril 2007

 

O direito fundamental aos títulos académicos

Tem-se discutido muito a questão da importância e do valor dos títulos académicos, a relevância que têm entre nós, o estatuto social que conferem, etc., o que seria (e é) próprio de um país atrasado e provinciano como o nosso. Muitos mostraram-se agastados – e com razão – com a dimensão que o caso adquiriu a propósito da questão da licenciatura do primeiro-ministro, desvalorizando-a e considerando-a uma questão menor, senão mesmo caricata. Só mesmo num país que tem a mania dos doutores, dos engenheiros e em geral dos títulos académicos é que acontece um tal empolamento a propósito de um indivíduo ser ou não portador de um desses títulos, não é? Pois encontrei um texto de António José Saraiva, inserido na obra “ O Que É A Cultura”, publicada postumamente e que, por um lado, devido ao seu reduzido formato e, por outro, porque gosto muito dela, tem permanecido há anos em cima da minha secretária. O texto é uma espécie de “modesta proposta”, à maneira de Jonatham Swift, para a solução do momentoso problema dos títulos académicos.
Ei-lo, com alguns ligeiros cortes:

“A expressão «democratização do ensino» pode ter dois significados diferentes: um é a divulgação do saber, outro é a facilitação do diploma. Pelo primeiro, pretende-se que camadas mais vastas da população tenham acesso à instrução. Pelo segundo, que seja cada vez maior o número de diplomados, independentemente da instrução que possuam. Hoje em dia está em discussão decidir se os estudantes devem ou não perder o ano por faltas. Aceitar que as aulas não são obrigatórias equivale a uma distribuição gratuita de diplomas, gratuita não só porque não é paga em moeda, mas também porque não custa esforço. Deixar de assistir às aulas equivale a deixar de aprender. Penso que era preferível e mais prático a abolição das aulas e dos professores. (…) Ter ou não ter um diploma não é uma questão de saber, mas sim de estatuto social, e numa sociedade que quer ser igualitária não se compreende que sejam exigidas condições para se ascender ao estatuto de privilegiado. Os analfabetos (…) também têm direito ao diploma universitário. Pretender que é preciso trabalhar para alcançar um diploma é uma atitude “elitista”, portanto, condenável. O direito ao diploma deveria estar inscrito na Constituição”.

26 abril 2007

 

Sarko e as dificuldades de posicionamento

Sarko ficou impressionado, mas não foi com os resultados eleitorais, não. Foi, sim, com os resultados da reforma da função pública em Portugal, levada a cabo pelo actual Governo luso, transmitidos pessoalmente ao presuntivo futuro PR francês por Sócrates.
De impressionado, porém, Sarko passou a aliviado, quando desabafou: "Felizmente os socialistas franceses não são como ele, caso contrário eu teria dificuldades em posicionar-me".
Não é preciso explicar.

 

Declarações aberrantes

Um dos médicos que integram uma comissão encarregada de preparar a regulamentação da lei da IVG, publicada no passado dia 17, proferiu algumas declarações curiosas. Ele, que é alguém com altas responsabilidades (director do serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital de Santa Maria), afirmou estar "convencido" de que 70 a 80% dos médicos vão invocar objecção de consciência. Complementarmente, afirmou que "se Portugal não for uma aberração" (sic) (e vamos acreditar que não!), grande parte das mulheres vão preferir as clínicas privadas "devido ao sigilo que proporcionam".
Uma dúvida: a regulamentação da lei não vai prescrever o sigilo nos hospitais públicos? Segunda pergunta: não é aberrante que um médico com estas responsabilidades no sistema nacional de saúde considere uma aberração as mulheres virem a preferir o sistema público ao privado? Terceira pergunta: com estas declarações (falta de sigilo, falta de médicos) não se está já a sugerir a delegação da execução da lei no sistema de saúde privado? Última oergunta: isso interessa a quem?

 

A nova composição do Supremo Tribunal dos EUA começa a fazer estragos

É seguramente significativa a sentença de 18 deste mês do Supremo Tribunal dos EUA sobre a IVG (caso Gonzales v. Carhart).
Em causa estava a constitucionalidade do Partial-Birth Abortion Ban Act de 2003, uma lei federal que veio proibir o recurso à técnica do "partial-birth abortion" na interrupção de gravidez, técnica esta utilizada somente no segundo trimestre da gestação. Promulgada entusiasticamente por Bush, a lei veio a ser declarada inconstitucional em diversos tribunais federais, sob o impulso de várias associações de médicos, em que se destacou o médico Leroy Carhart, um activista dos movimentos "pro-choice". Pela mão de Alberto Gonzales, o "attorney general", a questão chegou ao ST, que agora declarou a lei constitucional.
Embora a lei não ponha em causa a esmagadora maioria das IVGs, que são praticadas no 1º trimestre, esta sentença do ST não deixa de constituir um vitória indiscutível (a primeira) dos movimentos conservadores em matéria de IVG.
E pode ser o prenúncio de uma ofensiva neste âmbito, a nível estadual, pois a nível federal, com a nova maioria democrata, os perigos estarão arredados.
Importa recordar que o método do "partial-boirth abortion" já havia sido abordado pelo ST dos EUA, em 2000, com a sentença Stenberg v. Carhart (o mesmo Carhart!) a propósito de uma lei do Nebraska que vedava a recurso a essa técnica. Nessa sentença triunfou ainda uma orientação liberal, declarando-se inconstitucional a lei, mas já com alguma fragilidade de argumentação, pois se fez assentar a inconstitucionalidade, por um lado, na inexistência de uma cláusula de salvaguarda da saúde da mulher, mas também na indeterminação da definição de “partial birth abortion”, imprecisão essa que implicaria o risco de vir a considerar-se nele abrangidas outras técnicas de IVG habitualmente usadas no 2º trimestre de gestação, como as técnicas de dilatação e evacuação, o que redundaria, no entender da maioria do tribunal, no levantamento de um obstáculo substancial à vontade da mulher de abortar.
Simplesmente, a composição do ST mudou desde então. Saíram dois juízes (Rehnquist e Sandra O'Connor, ele conservador, ela "independente") e entraram outros dois, notoriamente conservadores (Roberts e Alito), nomeados por Bush e confirmados pelo Congresso, ainda com a maioria republicana. E assim a anterior maioria tangencial "pro-choice" passou a maioria, também tangencial, "pro-life".
Os resultados da recomposição do ST não se fizeram, pois, esperar. Esta nova composição reflectir-se-á possivelmente em muitos outros problemas directamente com as liberdades e direitos cívicos. Para não falar em Guantánamo.
A forma de recrutamento dos juízes do ST dos EUA tem os seus pontos fracos...

25 abril 2007

 

Três poemas de Sophia: do dia inicial inteiro e limpo à avidez (antiga) dos (novos) ratos

25 DE ABRIL

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo



NESTES ÚLTIMOS TEMPOS

Nestes últimos tempos é certo a esquerda fez erros
Caiu em desmandos confusões praticou injustiças

Mas que diremos da longa tenebrosa e perita
Degradação das coisas que a direita pratica?

Que diremos do lixo do seu luxo — de seu
Viscoso gozo da nata da vida — que diremos
De sua feroz ganância e fria possessão?

Que diremos de sua sábia e tácita injustiça
Que diremos de seus conluios e negócios
E do utilitário uso dos seus ócios?

Que diremos de suas máscaras álibis e pretextos
De suas fintas labirintos e contextos?

Nestes últimos tempos é certo a esquerda muita vez
Desfigurou as linhas do seu rosto

Mas que diremos da meticulosa eficaz expedita
Degradação da vida que a direita pratica?



POEMA

Cantaremos o desencontro:
O limiar e o linear perdidos

Cantaremos o desencontro:
A vida errada num país errado
Novos ratos mostram a avidez antiga


Do livro O Nome das Coisas (1977)

 

Uma reportagem e as reformas «de papel»

Uma interessante reportagem televisiva sobre as condições prisionais no forte de Peniche no período decadente do regime Caetanista, relatada por Saldanha Sanches, para além do apelo à memória ao não esquecimento de factos que são património do presente, suscita a inevitável comparação com o sistema prisional actual.
Falamos, é claro, apenas do sistema penitenciário.
Tão longe e tão perto!
33 anos de Estado de Direito.
A impossibilidade de resolver. O discurso jurídico como mera retórica com um conteúdo prático muito restritivo, quando não nulo. A ultrapassagem da realidade à passividade da norma. É este o diagnóstico cru do sistema prisional.
Chamar a expressão de Dworkin, «levar os direitos a sério», a propósito das cadeias e do que nelas se passa, assume uma actualidade gritante.
Seria importante que para além das reformas de papel em curso no âmbito do direito penal e do processo penal se olhasse para o fim da linha do sistema de justiça: as prisões.
O que é feito da reforma do sistema prisional?

 

Trinta e três anos depois

Trinta e três anos decorreram sobre o dia 25 de Abril, para mim um dos dias mais belos de toda a minha vida. Ou talvez não exactamente esse, ainda um pouco confuso na expectativa um pouco atónita com que íamos acompanhando o desenrolar dos acontecimentos, no ambiente de um quartel de Mafra que havia perdido o rigor militarista que normalmente enquadrava o quotidiano sinistro da instrução dos cadetes do 2.º ciclo. Talvez não exactamente esse dia, mas mais os dias seguintes, já totalmente dominados por esse espírito de enamoramento de que fala Francesco Alberoni para designar os estados nascentes em que começa uma nova “experiência de libertação, de plenitude de vida, de felicidade”, seja na vivência individual, seja na vivência colectiva de uma comunidade.
Nesses dias, cadetes do 2.º ciclo a prepararmo-nos para sermos exímios atiradores de infantaria na guerra colonial que nos destinavam (eu, o José António Barreiros e o Ferreira de Sousa, que agora também é juiz do STJ, como castigo por sermos “politicamente suspeitos”, depois reconvertidos, por isso mesmo, para a especialidade de licenciados em Direito), nesses dias a seguir ao “25 de Abril”, também quisemos incorporar-nos em várias iniciativas de menor importância face ao êxito da queda da ditadura, e lá andamos de G3 na mão a fazer a guarda a vários pontos estratégicos, nomeadamente o Quartel General.
Trinta e três anos decorridos! Uma soma de anos maior do que a que tínhamos na altura, jovens com muita pouca experiência, mas com a experiência bastante para termos aprendido a execrar para sempre, porque o sofremos na sua brutalidade, embora não com a violência (nem por sombras!) de muitos outros compatriotas, regimes como aquele que a chamada “Revolução dos Cravos” mandou às urtigas. Mandou? Há por aí fantasmas que persistem, como se viu no célebre concurso da TV, vozes que clamam por um novo chefe providencial, depoimentos de muitos desiludidos com promessas que ficaram por cumprir e que não vêem significativas vantagens na democracia, gerações de jovens que não arrostam com a guerra colonial, mas enfrentam o pesadelo do desemprego e para as quais o “25 de Abril” não significa literalmente nada (nem sabem, desgraçadamente, porque não houve para isso a pedagogia necessária, o que ele representou), enfim, uma enorme apatia cívica.

 

Uma outra perspectiva



24 abril 2007

 

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No Canadá, campanhas contra a violência familiar passam na tv, com regularidade, em horário nobre.
E, por cá?

 

Para os ricos, um direito penal pobre


O funcionário que, durante o período do exercício de funções públicas ou nos três anos seguintes à cessação dessas funções, adquirir um património ou um modo de vida que sejam manifestamente desproporcionais ao seu rendimento e que não resultem de outro meio de aquisição lícito, com perigo de aquele património ou modo de vida provir de vantagens obtidas pela prática de crimes cometidos no exercício de funções públicas, é punível com pena de prisão até 5 anos”. Esta é a proposta de redacção do Grupo Parlamentar do PSD para o crime de enriquecimento ilícito (existe proposta análoga para o diploma que rege sobre os crimes dos titulares de cargos políticos). Para além de relevar de inqualificável técnica legislativa, é um exemplo eloquente dos perigosos ventos de política criminal que nos assolam de forma crescente. Assim:

Em primeiro lugar, ele traduz bem um sentimento de que o Estado é incapaz de lidar satisfatoriamente com certo tipo de crime. Mas em vez de se ensaiar o refinamento e sofisticação dos meios de investigação (o que não quer dizer, por força, mais meios), propugna a fuga para a frente, que não se sabe bem onde nos pode levar, mas que se intui não seja a lugar recomendável. Com efeito, todos estaremos de acordo que a titularidade de um património, ou um certo “modo de vida” (que a proposta também define), manifestamente incompatíveis com os rendimentos de determinada pessoa são, podem ser, indício de ilícito (não necessariamente penal). Pois bem, incapaz de tornar, pela investigação, o indiciado ilícito na “certeza” que define a ilisão da presunção da inocência, pretende-se com esta celerada proposta criminalizar o próprio indício(!), atropelando sem apelo e nem agravo aquele sacrossanto princípio.

Em segundo lugar, pretende-se com a dita proposta fazer entrar pela janela o que não se quis, até agora, deixar entrar pela porta: a inversão do ónus da prova, onerando o arguido. Na verdade, é de notar que ali se ressalvam os “modos de vida” e património “que não resultem de outro meio de aquisição lícito”. Isto é, parece que se procura, sem mais, extrair do não apuramento da licitude dos meios …. a ilicitude dos meios (e isto é tanto assim quanto da epígrafe do preceito consta a expressão “enriquecimento ilícito”). Como é óbvio, com isto atira-se sobre os ombros do arguido o pesado fardo de provar a licitude dos meios de aquisição do património (ou dos “modos de vida”), pois só esta, e não um non liquet, o exime da responsabilidade criminal.

Em terceiro lugar, e incompreensivelmente, faz-se alusão a um “perigo” – isto é, a probabilidade de positivação de um mal futuro em dano – referido ao passado! Este absurdo resulta claro da seguinte passagem: “com perigo de aquele património ou modo de vida provir de vantagens obtidas pela prática de crimes cometidos no exercício de funções públicas”. Como está bom de ver, o património ou os “modos de vida” resultaram, ou não resultaram, de vantagens obtidas pela prática de crimes cometidos no exercício de funções públicas, não se compreendendo o que seja o perigo de essas vantagens terem resultado da prática de crime.

Quem é que o GP do PSD consultou para apresentar tal proposta, não sei. E decerto não terá sido Bártolo e nem Acúrsio. O que sei é que se trata de uma proposta tributária de alguns dos mais perniciosos traços da política criminal das sociedades contemporâneas: aquela que em nome da eficiência propugna a lassidão das estruturas de imputação do crime. Estas últimas, como se sabe, não são um fetiche de académicos sem mais que fazer. Elas são a garantia primeira de que o sistema penal separa o trigo do joio, o que é dizer, os culpados dos inocentes.

20 abril 2007

 

SISI, CSIC e PGR


Retornando ao SISI (1; 2), e seus corolários, já tive oportunidade de destacar a minha opinião sobre os principais vectores problemáticos: a destrinça funcional entre (a) serviços de informações e polícias e (b) entre prevenção / segurança e repressão criminal, e a efectividade dos respectivos mecanismos de controlo interorgânicos.

Quanto ao último ponto, tem sobressaído na esfera pública a divisão de entendimentos sobre a integração do procurador-geral da República (PGR) como membro do Conselho Superior de Investigação Criminal (CSIC) - herdeiro do Conselho Coordenador dos Órgãos de Polícia Criminal (CCOPC’s).

A integração do procurador-geral da República no conselho presidido pelo primeiro-ministro parece-me uma questão maior e uma inovação relativamente à faculdade (partilhada com o presidente do Conselho Superior de Magistratura) de participar no futuro defunto CCOPC’s.
Como advertência prévia, devo sublinhar que na articulação entre agentes do Estado não me interessa aquilo que parece ocupar outros: a dimensão protocolar.
Já a vertente funcional e constitucional parece-me primacial, e é quanto esta que se me afigura criticável e perigoso que o procurador-geral da República integre um órgão, com poderes próprios, presidido pelo primeiro-ministro.
Na Constituição portuguesa, o estatuto do Ministério Público (MP) e do PGR enquanto seu principal dirigente é de cariz funcional e especialmente recortado por referência a outras funções, em particular a executiva.
Assim, ou o novo conselho vai exercer funções da responsabilidade do executivo e então o PGR não o deve integrar, quando muito podiam definir-se regras de comunicação específicas com essa entidade nomeadamente a possibilidade de assistir e/ou participar nas respectivas reuniões, ou então o CSIC vai intervir ao nível das funções do MP, caso em que a respectiva ilegitimidade, enquanto órgão estranho ao MP, não é suprida por integrar um elemento do MP.

Uma última nota quanto ao argumento que, ao que creio, terá sido avançado no sentido de se pretender dignificar o PGR colocando-o ao nível dos ministros (e não apenas das chefias policiais que também integram esse conselho) num órgão presidido pelo chefe do governo, enquanto o futuro defunto CCOPC’s era presidido por dois ministros. Importa recordar que, no plano jurídico-constitucional, o PGR tem um estatuto constitucional não confundível com o dos ministros, não só quanto à específica legitimação (proposto pelo Governo e nomeado pelo Presidente da República, para presidir a um órgão autónomo integrado por membros com um estatuto pessoal específico e com específicas atribuições constitucionais), como ao nível da modelação funcional já que no nosso sistema, ao contrário do alemão, «a Constituição não individualiza o ministro da justiça que se apresenta, assim, apenas como um ministro do governo com uma determinada reserva de competências» (as palavras entre aspas não são minhas mas de Gomes Canotilho).
Ou seja, no plano constitucional existe uma diferença estruturante entre a inequívoca subordinação ao primeiro-ministro dos ministros (que não têm competências constitucionais próprias) e a autonomia do PGR.

(Texto também colocado no Cum Grano Salis)

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19 abril 2007

 

Grande bomba!

A respeito da Universidade Independente, foram prometidas, na segunda-feira, revelações bombásticas para o dia seguinte. Quando toda a gente, no dia seguinte, se pôs à espera de uma bomba de arrasar tudo, foi dito que, afinal, ainda não podia ser nesse dia, por se andar à procura de uns materiais explosivos necessários para o deflagrar da bomba. Ficou a explosão marcada para o dia seguinte, ou seja, para ontem. Ontem, quando, finalmente, estava toda a gente preparada para o estrondo, que sucedeu? Não houve nenhum deflagrar de bomba, porque os materiais faltavam de todo. Ou seja, tinham sido limpos dos arquivos da Universidade, porque esta Universidade tinha o hábito de mandar os materiais para o arquivo morto e, daqui, com pouco mais, chutava-os para o definitivo esquecimento.
Ora, grande bomba esta! Realmente, uma grande bomba! Uma Universidade sem arquivos, sem memória, sem um rasto do passado! Portanto, sem materiais para fazer deflagrar uma bomba, ainda que uma bomba à nossa escala, já não digo uma dessas grandes explosões que requerem grandes avanços científicos e técnicos. Que Universidade esta!

 

The tide is turning


O Supremo Tribunal Federal dos E. U. A. decidiu, ontem, declarar conforme a Constituição uma lei federal que proíbe um método de aborto ("Partial-Birth Abortion Ban Act") em que o feto é extraído do útero materno intacto ou quase intacto (“intact dilaction and extraction”, vulgo “intact D & E”) ao invés de ser previamente desmembrado. De acordo com o New York Times de hoje, é provável que uma tal decisão seja o prenúncio de um requestionamento geral da legislação sobre o aborto e de uma redefinição dos interesses nele envolvidos (em termos limitativos da prática, leia-se). A decisão (73 pp.) pode ler-se, em texto integral, na página do Supreme Court (Gonzales v. Carhart).

18 abril 2007

 

Leis reversíveis e leis intemporais

A Igreja Católica manifestamente não se conforma com os resultados do referendo à IVG. E teoriza: "Em democracia não há leis intocáveis e irreversíveis". Pois não. Precisamente por isso é que a lei anterior vai ser alterada. Mas a revogação/alteração das leis não é arbitrária. Tem de assentar em critérios racionais. Modifica-se uma lei porque ela provou que era desajustada à realidade actual. Ora, "esta lei" ainda nem sequer entrou em vigor, meus senhores!
O que a Igreja deveria fazer não era preocupar-se com a lei, mas sim pregar aos (às) crentes que não pratiquem a IVG, dissuadi-lo(a)s de o fazer. Para isso tem toda a legitimidade. Mas já não a tem para obrigar todos (todas), não-crentes e crentes, a seguir a sua doutrina.
A César o que é de César, a Deus o que é de Deus.

 

Ainda a decisão em foco

Sobre a dita decisão quero dizer que há nela considerações que não posso subscrever e sinto-me de certo modo com obrigação de o dizer porque já por diversas vezes comentei, em artigos publicados na Revista do Ministério Público, decisões judiciais referentes ao conflito entre a liberdade de imprensa e o direito ao bom nome.
Não concordo, de forma alguma, que exista uma "hierarquização" entre esses direitos, com "prevalência" deste último, antes me parece que eles são de igual valor, devendo ser conciliados, na medida do possível, de acordo com o critério da "concordância prática", que implica precisamente que nenhum deles pode ser anulado pelo outro.
Penso que aquela afirmação não terá interferido com o núcleo da decisão, mas a verdade é que pode provocar alguma "turbulência" na jurisprudência dos tribunais das instâncias...

 

"Cultura das armas"

Comentando o massacre da "Virginia Tech", o PM australiano, John Howard, sem papas na língua, apontou o dedo à "cultura das armas" vigente nos EUA.
Vindo de um conservador e admirador de Bush, estas palavras têm um particular significado.
Mas como combater uma cultura que é uma das imagens de marca da sociedade americana desde os tempos primordiais, e que é a base de poderosíssimos interesses económicos, no país que é o exemplo acabado de redução da política à economia?

17 abril 2007

 

A decisão em foco

Em relação à decisão do Supremo Tribunal de Justiça que tem estado em foco (a da condenação do “Público” a pagar uma indemnização por ofensa ao bom nome de pessoa colectiva – o “Sporting Clube de Portugal”), a informação que tem sido dada pelos órgãos de comunicação social, desde a imprensa escrita aos meios audiovisuais, assenta em factos deturpados, o que já vem sendo habitual com outras decisões comentadas publicamente. E era muito fácil, neste caso, veicular informação correcta, se quem tem informado ou comentado, desde que de boa-fé, tivesse adoptado esse comportamento tão simples e tão elementar e deontologicamente exigível que seria consultar a própria fonte, para o que bastaria ir ao “site” do STJ e ler a própria decisão, que foi disponibilizada na Internet logo que o caso começou a ser badalado. Tão fácil e tão exigível, que até parece que o único móbil que tem norteado essa divulgação é pura e simplesmente a de transmitir uma informação deturpada, onde nem sequer falta a cansada alusão à “coutada do macho ibérico”, como aconteceu com um jornalista (acho que é jornalista) do “Expresso”. Até Sousa Tavares, que, além de jornalista e comentador altamente cotado, é formado em Direito, fez o seu comentariozinho indignado sem ler a decisão. E até – pasme-se! – um juiz desembargador se atreveu a fazer comentários no 2.º Canal da televisão sem ter lido ou percebido minimamente (não me atrevo a ir mais longe no meu juízo) a decisão que foi criticar, atribuindo o seu pressuposto carácter asnático ao facto de os juízes do Supremo andarem na roda dos 60 anos de idade. Incrível! Mas o referido juiz não deu provas de maior arejamento de ideias.
Devo dizer que não concordo inteiramente com todas as afirmações que se fazem no texto da decisão, mas concordo seguramente com a afirmação de que a verdade é irrelevante do ponto de vista da lesão do bem jurídico que é suposto estar em causa – o bom nome da pessoa colectiva. Pois não sabem essa coisa elementar que é a verdade não ser critério jurídico em questões de atentado ao bom nome ou à honra das pessoas? A verdade é apenas elemento integrante da causa de justificação. Ou seja, o crime não é punível, se: 1.º - a divulgação for feita para satisfazer o interesse público de informar ou qualquer interesse legítimo e 2.º - se provar a verdade da imputação ou houver fundamento sério para, em boa-fé, se reputar como verdadeira, sendo certo que a boa-fé fica excluída, quando o agente não tiver cumprido o dever de informação que, segundo as circunstâncias do caso, seja requerida.
No caso, não estava em causa a apreciação do crime, mas apenas a ilicitude da conduta, apreciada em termos civis, obedecendo a critérios que não são muito diferentes dos enunciados, com a ressalva de que, enquanto o ilícito criminal exige o dolo, a obrigação de indemnizar se basta com a prática do facto por mera negligência.
Ora, em primeiro lugar: ao contrário do que tem sido propalado, não ficou provado que fosse verdadeiro o facto imputado à pessoa colectiva, ou, para transcrevermos exactamente o facto dado como provado: O autor nunca foi notificado pela Administração Fiscal, dando-lhe conhecimento de que fosse devedor de quatrocentos e sessenta milhões de escudos e ou para proceder ao seu pagamento, e quando contactado pelos réus sobre o teor da notícia em causa, no dia anterior à publicação, desmentiu-a prontamente, referindo-lhes inclusive que o ⌠Sporting⌡ não deve à administração fiscal quatrocentos e sessenta milhões de escudos, e que nunca foi notificado ou teve conhecimento por qualquer meio que tal dívida existisse ou que devesse proceder ao seu pagamento.
Este facto já vem da decisão da 1.ª instância e, aliás, não podia ser aditado ou alterado pelo Supremo, porque este só julga de direito e não de facto.
Em segundo lugar, ante a factualidade provada, o Supremo considerou (e aqui, sim, já se trata de matéria de direito que o STJ apreciou de maneira diversa das instâncias) que o “Público”, ou seja, os jornalistas envolvidos na publicação da notícia não cumpriram o dever de informação que o caso requeria, nomeadamente por, tratando-se de matéria coberta pelo sigilo fiscal (de natureza absoluta, ao tempo) e não a tendo podido confirmar perante a entidade competente, deveriam ter agido de maneira diversa, mais cautelosa e com outra diligência prévia na investigação dos factos. Por outro lado, o jornal não se limitou aos factos, mas enveredou pelo terreno da opinião, fazendo passar a ideia de que o clube visado não cumpria as suas obrigações fiscais, tendo os seus dirigentes cometido o crime de abuso de confiança fiscal, punido com pesada pena de prisão.
Assim, ao contrário do decidido nas instâncias, o Supremo não teve como verificada a causa de justificação da conduta ilícita, condenando os responsáveis a título de negligência.
Ora, isto é completamente diferente da versão que tem sido, dolosa ou negligentemente apresentada em público. Que se critique a decisão é uma coisa – e ela poderá ser eventualmente passível de crítica (não é disso que curo agora); que se deturpe a verdade dos factos, recorrendo à falsificação, é outra coisa, e não abona nada (é o mínimo que se pode dizer) da seriedade da comunicação social, nem dos comentadores que têm vindo criticar a decisão na base dessa deturpação. Se houvesse um mínimo de responsabilidade deontológica, os jornalistas que, por negligência, divulgaram os factos falseadamente (já não falo, evidentemente, dos que o fizeram intencionalmente) só tinham uma coisa a fazer: assumir publicamente o erro e repor a verdade dos factos.

PS – Um recado para o Supremo Tribunal de Justiça: é preciso reagir com prontidão às frequentes deturpações das decisões deste tribunal, não bastando a mera publicação na Internet do texto dessas decisões. Está visto que essa publicação, por acinte ou negligência de quem devia lê-las e interpretá-las, não resulta. Por outro lado, é preciso tomar a iniciativa na divulgação de decisões que não são conhecidas em termos mediáticos, mas em que há interesse em serem conhecidas publicamente. E não só decisões, mas outros factos relevantes. Tudo isso pressupõe uma boa assessoria de imprensa.

 

imersão

O discurso jurídico é, quase sempre, um discurso limpo. A clear speeach.
A construção jurídica, seja a que decorre da dogmática, seja a que decorre da jurisdição, estriba-se ou numa distância ao real ou num diálogo quase sempre interceptado por uma parede mais ou menos filtrante, consoante o tipo de intervenção que se tenha.
Um interrogatório, num gabinete do tribunal; um julgamento, na sala de audiência; uma consulta de advogado, num escritório; um parecer, num gabinete de uma universidade. É certo que um vasto conjunto de relatórios, de perícias, de informações, de diálogos, de confrontos, coloram o preto e branco das decisões.
Há, no entanto, vidas subjacente ao discurso jurídico. Vidas que se sentem, que se cheiram. Que não são a preto e branco.
Vidas que apelam ao direito como resolução dos seus problemas concretos, sujos, diários, imediatos.
Que a retórica jurídica, por si só, não resolve. E que outros, que podem, não querem resolver.

(Não andará longe do luto «bloguistico» um percurso recente pelos «fins da linha» penitenciária onde se cheira e sentem essas vidas). A elas voltarei!

 

O programa segue dentro de momentos


16 abril 2007

 

O terceiro flagelo

Ao jeito que as coisas levam, não tardará muito que um terceiro flagelo caia sobre os nossos tribunais, entrando aberta e decididamente no vocabulário das decisões judicias e na retórica da respectiva fundamentação.
O primeiro flagelo foi, como se sabe, o da droga. São inúmeras as decisões que, há décadas, desde que o fenómeno começou a ganhar vulto e a preocupar as instâncias repressivas, vêm incorporando na sua retórica argumentativa enfáticas alusões ao “grande flagelo da droga”, a ponto de poucas escaparem ao flagelo desse estereótipo para justificarem “as prementes exigências de prevenção geral positiva ou de integração”, enfim, “as expectativas comunitárias na manutenção ou reforço da norma jurídica violada”, etc., etc., etc…
O segundo “flagelo”, de há uns tempos para cá, tem sido o abuso sexual de menores. Com efeito, já é abundante na nossa literatura judiciária a flagelante referência a mais esse flagelo. Talvez se possa chamar a isso o abuso sexual do flagelo.
Agora, está aí a surgir o terceiro flagelo: as agressões dos professores pelos alunos. Noutros tempos, eram estes que eram flagelados pelos professores, e de que maneira! Mas adiante! Os tempos estão de facto muito mudados. E, a avaliar pela amplificação mediática do fenómeno, graças, em parte, à forma como o lóbi dos professores – e honra lhes seja! – se tem imposto às medidas governamentais na área da educação, não tardará muito que mais este “flagelo” venha a entrar pela porta dentro dos tribunais e a invadir de uma forma caudalosa o argumentário das nossas decisões judiciais.

 

World Press Cartoon

Aqui podem ver-se os vencedores nas quatro categorias. Mas este que segue é definitivamente genial.





14 abril 2007

 

Os pés de barro

Não vi a entrevista do primeiro-ministro à televisão, porque, estando em Lisboa, onde passo algum do meu tempo por via da função que desempenho, preferi deslocar-me ao Teatro S. Luís, à hora em que ela estava a decorrer, para ver a peça da Cornucópia “Júlio César”, de Shakspeare (é uma pedanteria cultural, eu sei). Da entrevista, ouvi inúmeros comentários logo no dia seguinte, quase todos no sentido de que ela pouco ou nada adiantou em relação ao problema fundamental, mas encapotado, que nela estava em causa e que era, como se sabe, a polémica sobre a situação académica de Sócrates. Alguns dos comentários revelavam também decepção (se assim se lhe pode chamar) em relação ao desempenho dos jornalistas, tendo-se deixado subordinar (segundo tais comentários) à estratégia do entrevistado, que era a de falar o mais possível, para não deixar campo a questões incómodas. Alguns dos comentários que li na imprensa vão no mesmo sentido, sobretudo no que diz respeito a tudo ter ficado na mesma quanto ao esclarecimento do imbróglio da licenciatura. Mas nada disso, a ser verdade, constitui surpresa. A situação é o exposto, como costuma dizer-se, e o exposto é, de facto, um imbróglio difícil de desenredar.
Alguns lamentam que uma questão secundária, como será pressupostamente esta, constitua o crivo pelo qual se afere a actividade de um governo, e uma parte desses que assim entendem acham que as democracias modernas são mesmo assim: estão sujeitas a estes percalços, sendo esse um facto que há que aceitar (ver a crónica de Vicente Jorge Silva no “Diário de Notícias” de 11 do corrente).
Porém, não entendo que seja assim uma questão secundária. E não entendo, porque não é o facto de o primeiro-ministro ser ou não licenciado que está em causa. Aliás, surpreende-me como tanta gente responsável deste país, e gente rotulada de esquerda, se preocupa tanto com a licenciatura e com os títulos académicos, a ponto de muitos que se promoveram pela via politica não descansarem enquanto não arranjam um título desses para o seu currículo, como se isso constituísse o título de nobreza que lhes faltasse para o brilho das suas carreiras ter mais brilho, ou então será para conseguirem outros objectivos. Faz-me lembrar os baronatos e as comendas do tempo de Camilo, que o escritor de S. Miguel de Ceide tanto satirizou, a ponto de ter dedicado um dos seus livros – “Cenas da Foz” – “à espécie humana, inclusive os barões”. Um tal afã à volta dos títulos académicos, aliado à qualidade duvidosa de alguns estabelecimentos de ensino, gera, por vezes, as mais legítimas dúvidas acerca da forma como eles são conseguidos.
Ora, no caso do primeiro-ministro, o que está em causa é todo um conjunto de circunstâncias que, tendo começado por ser investigadas nos “blogues”, vieram a lume – circunstâncias apoiadas em factos devidamente documentados – que tornam todo o processo da sua licenciatura pouco transparente. E aí é que bate o ponto, sendo certo que o primeiro-ministro apresentou, desde o primeiro momento, uma imagem de líder forte que pretendia pôr tudo em “pratos limpos” e meter toda a gente na ordem, sobretudo as chamadas “corporações”, com as suas opacidades. Chegou mesmo a ser arrogante na forma como tratou algumas dessas corporações, a pretexto de privilégios injustificados.
Um primeiro-ministro que se reclama de tanto rigor, que elege como norma de actuação uma ética de intransigência, de saneamento da vida pública, de corajoso enfrentamento de todos os privilégios, embora se saiba que esses “privilégios” são sobretudo os de classes médias ligadas aos serviços da Administração Pública, um primeiro-ministro que se apresenta a si próprio como exemplo a seguir, forçosamente que tem de ser julgado pelo seu carácter, porque esse carácter adquire, em tal contexto, um valor político.
Se, como diz António Barreto, este julgamento baseado em motivos morais ou de carácter é um triste sinal dos tempos, embora um sinal que tem de ser levado à conta de uma realidade incontornável, também se não pode esquecer que Sócrates talvez seja, ele próprio, um produto dessa mesma realidade, um líder de outra feição – uma feição em muitos aspectos, digamos, polémica - com a sua obsessão de imagem, a sua preocupação de tudo controlar, dentro e fora do partido, de aparecer como líder incontestado e manifestando agastamento por tudo o que o contraria.
Ora, este imbróglio da sua licenciatura veio, quer se queira, quer não, mostrar os imensos pés de barro em que assenta toda essa construção de imagem e vibrar um golpe mortal nesse estilo (chamemos-lhe assim) de fazer política.

12 abril 2007

 

Um exemplo para todos os portugueses, para os estudantes em particular

Está tudo esclarecido. O PM frequentou as aulas na Universidade Independente, pagou as propinas, estudou, fez exames. Nessa época remota o funcionamento dessa instituição era "absolutamente impecável" (sic). Embora se verificassem certas singularidades: notas dadas pelos professores em período de férias (Agosto), concessão de equivalências sem exibição pelo aluno dos títulos invocados, diplomas passados aos domingos, aulas ministradas pelo (magnífico, como todos eles) reitor (por falta de professores ou excesso de tempo livre do mesmo?)...
Mas a culpa não era evidentemente dos alunos. E concretamente aquele aluno fez (e bem) o seu trabalho, aliás em regime pós-laboral, sacrificando assim o seu tempo livre e o merecido descanso das labutas político-governativas: foi a (algumas) aulas (embora não tenha sido avistado por todos os colegas), estudou, fez exames, ficou aprovado em todas as 5 cadeiras (ou bancos, ou "mochos", não sei) que frequentou, sendo de salientar que 4 delas foram regidas pelo mesmo professor, o que indicia tratar-se de um mestre fora-de-série, o que naturalmente acresceria o grau de exigência em relação aos alunos, o mesmo raciocínio sendo válido para a cadeira (banco, etc.) ministrada (magnificamente) pelo próprio reitor.
Tudo isto fez o referido aluno com sacrifício e pertinácia, com o único objectivo de se valorizar. É um exemplo para todos os portugueses. É um orgulho para todos nós. E os estudantes que ponham os olhos neste exemplo e cultivem as virtudes que dele se retiram.
E universidades assim é que se precisam. Universidades que não ponham problemas burocráticos aos alunos na inscrição e nas equivalências, que lhes arranjem planos especiais de licenciatura, que não fechem nas férias e aos domingos, que aproveitem ao máximo a sua massa cinzenta (vulgo corpo docente), evitando contratar massivamente docentes, com a consequente baixa de qualidade do ensino e aproveitando as próprias (e magníficas) capacidades dos reitores.
A ordem de fecho da Universidade Independente é um acto gritante de injustiça e um dano irreparável no nosso mundo universitário.

11 abril 2007

 

Perplexidades procedimentais


Em relação ao anterior texto do Maia Costa e à conferência de imprensa aí comentada, também fiquei perplexo pelo facto de o representante do Estado, no quadro de uma comunicação sobre um acto de exercício da autoridade do Estado com incidência numa entidade privada, assumir a valoração política e ética dos interesses de uma personalidade concreta (especialmente quando a mesma não tem qualquer relação com o acto estatal de acordo com a fundamentação deste).
Parece-me que em diferentes temas tratados no Sine Die tem sido uma preocupação generalizada entre os seus membros reflectir sobre o relevo (interno e externo) das separações funcionais no seio do aparelho de Estado, contudo, não menos importante é a distinção entre o exercício do poder do Estado e a representação de interesses particulares (ainda que legítimos e de altos titulares de órgãos do Estado). A falta de cuidado na clara separação de águas, independentemente dos efeitos imediatos, tem necessários efeitos mediatos sobre as representações da imparcialidade do Estado (objecto, aliás, de histórica desconfiança em Portugal, por boas e más razões). Será o ocorrido na conferência de imprensa expressão de uma diferente concepção jurídico-política?

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10 abril 2007

 

Gaguejos

Belos licenciados deve ter dado ao nosso mundo a defunta Universidade Independente, ou será que a constatada "degradação pedagógica" foi doença súbita?
Em 13 anos de actividade que saber produziu? Que marcas deixa na nossa cultura, na nossa ciência, na nossa tecnologia (vá lá!)?
Já agora, que credenciais científicas terá exibido para lhe ser dado o alvará por essa senhora tão rigorosa que se chama(va) Manuela Ferreira Leite? E o actual PR, então PM, aliás um universitário, assinou de cruz?
Mas o mais triste da conferência de imprensa do Ministro da Ciência (sim, da Ciência) e do Ensino Superior foi a defesa acirrada que fez da genuinidade do diploma do Chefe. Esperava-se mais distanciamento e dignidade de um Ministro da Ciência (sim, da Ciência). Pôr-se a explicar os obscuros critérios da secretaria da Universidade que acabava de mandar encerrar, tentando fazer crer que é na coluna referente ao ano de 1995 que devemos procurar os licenciados de 1996 (!!!) ultrapassa o mais elementar bom senso.
Quem fala assim é mesmo gago.

04 abril 2007

 

Messianismo e mediatismo

É claro que os tempos que correm não são favoráveis a discursos contra o messianismo, nomeadamente o “messianismo penal”. Isto, para me reportar ao discurso do vice-presidente do Supremo Tribunal de Justiça na abertura do colóquio “Combate à Corrupção”, que teve lugar na Assembleia da República, no dia 26 de Março passado, e ao adequado título que o Maia Costa, que oportunamente o publicou neste blogue, lhe pôs.
Um discurso denso, rigoroso, compenetrado, assumidamente contra a facilidade, a euforia e o messianismo redentor. Mas, por isso mesmo, contra a espectacularidade e os estereótipos mediáticos. Talvez isso explique a forma como foi ignorado pela comunicação social. O “Expresso” da semana passada, por exemplo, nem se lhe referiu. Mas esse é o preço a pagar por quem não quiser apenas a projecção dos holofotes.

03 abril 2007

 

Os Grandes Portugueses

Ainda continuam os debates sobre o resultado do concurso “Os Grandes Portugueses” que a televisão pública, sempre à cata das grandes sumidades em todos os domínios, nomeadamente as nacionais, resolveu patrioticamente empreender. Esse resultado não podia ser mais deprimente do que foi, e mais culpabilizante para quem o quis levar a cabo, se é que os seus promotores têm algum sentimento de pudor e alguma réstia de responsabilidade. Porém, serviu para demonstrar algumas realidades:
1.º - a santa ingenuidade dos nossos programadores televisivos, que terão confiado demasiado na solidez democrática e cultural dos telespectadores portugueses, confundindo-os com os de países como a Inglaterra, onde, em concurso similar, ganhou a figura emblemática de Churchil;
2.º - a falta de inventividade desses programadores, que não sabem fazer outra coisa senão transpor mecanicamente para a nossa televisão aquilo que se faz nas televisões estrangeiras, sem terem em conta a realidade nacional;
3.º A sobrevalorização do espectáculo, do “show” mediático, sobre o conteúdo (in)formativo de qualquer realização televisiva, mesmo que se apresente com cariz cultural;
4.º A sobrevivência de fantasmas, como o de Salazar, que supostamente deviam estar enterrados, mas que, na realidade, nunca foram devidamente “exorcizados” e cujo recalcamento acaba por os trazer de volta, em todo o seu negro esplendor, como se viu a propósito das peripécias que se conhecem com a inclusão ou não do nome do ditador na lista dos “grandes portugueses”;
5.º A ausência, segundo penso, de um estudo crítico e criterioso da nossa História recente ao nível da formação escolar, logo a partir do ensino básico, e a ausência de divulgação do que foi o Estado Novo em programas (in)formativos de carácter geral, transmitidos no chamado “horário nobre” da televisão e que, de ordinário, só é “nobre” na exacta e inversa proporção da sua confrangedora indigência.

É claro que o resultado obtido no citado programa não é para ser encarado “literalmente”, isto é, como índice de que os portugueses, de uma forma geral, encaram Salazar como “o maior português de sempre”. As razões para esse entendimento têm sido avançadas por muitos e variados analistas, desde o facto de se tratar de um simples concurso televisivo, até à oportunidade encontrada por minorias activas de ambos os extremos para levarem a cabo as suas campanhas de promoção e, assim, condicionarem, como condicionaram, os resultados, passando pelo facto de muita gente que “votou” ter sobretudo querido manifestar, por uma espécie de “espírito de contradição”, o seu desagrado em relação à situação que presentemente se vive no país. De resto, se esses “votos” traduzissem uma real tendência do povo português, não se explicariam os resultados eleitorais, que têm incidido sobretudo nos partidos do chamado “bloco central”, nem as sondagens, que, apesar do descontentamento dos portugueses, não manifestam nenhuma inclinação especial para os extremismos, sobretudo o de extrema direita.
De qualquer forma, já vai fazendo corpo a ideia de que, no salazarismo, nem tudo foi mau e de que houve aspectos positivos e negativos, sendo que alguns responsáveis, como eu ouvi num debate da Antena 1, a seguir ao concurso, vão ao ponto de dizer que os aspectos positivos superaram os negativos. Ora, só a ideia de que “nem tudo foi mau” já é arrepiante, porque há uma diferença abissal entre o fascismo, mesmo como nós o tivemos, sem as características de violência e de grandes movimentos de massas alienadas à volta do “duce”, como outros fascismos, mas fascismo apesar de tudo, e a democracia, e essa diferença, de tal modo abissal, não se compadece com critérios idiotas de “positivo e negativo”.
Ora, a televisão pública, no seu canhestro concurso, acabou por (não intencionalmente, creio) fazer propaganda ao salazarismo. Mas também acabou por revelar, sem querer, a nossa triste realidade e os nossos fantasmas persistentes. Talvez seja altura, por isso, de ela, colhendo as lições que se impõem, se redimir e, pelo que lhe toca, contribuir de uma forma mais séria e empenhada para a (in)formação dos telespectadores portugueses, isto é, cumprir, ao fim e ao cabo, a sua missão de serviço público.
Por mim, em época quaresmal, seria a penitência que lhe daria, se tivesse para isso o beneplácito do Altíssimo.

01 abril 2007

 

Retratos

Como vem sendo um hábito recente no Supremo Tribunal de Justiça, os juízes posaram, mais uma vez, no salão nobre, para a fotografia.
Dantes, só os presidentes tinham direito a retrato. Desde a criação do tribunal por Mouzinho da Silveira, em 1833, os presidentes foram legando a sua imagem à posteridade em retratos que foram sendo dispostos pelas paredes do corredor adjacente ao dito salão nobre. E a verdade é que os retratos têm vindo a suceder-se, a ponto de galoparem já pelas paredes acima, o que não seria caso para admiração em quase 200 anos de história, mas notando-se que, nestes últimos 30 anos, os retratos se têm sucedido a um ritmo mais acelerado, certamente por influxo do 25 de Abril, que introduziu algumas regras democráticas na eleição dos presidentes e estabeleceu a limitação temporal dos mandatos. Basta dizer que, entre 1833 e 1974, só houve 23 presidentes, e nestes últimos 30 anos já houve uma dúzia deles.
Também depois da revolução os vice-presidentes passaram a ter direito a figurarem nas paredes, criando-se para tanto uma galeria própria, na ala onde se encontram os gabinetes dos ditos. Como os vice-presidentes são aos pares, os retratos atingiram já um número significativo. Porém, como é “natural”, não ostentam a pompa dos retratos dos presidentes, sendo a preto e branco – mais propriamente fotografias ampliadas -, enquanto os daqueles são retratos no sentido mais clássico, isto é, pintados por artista plástico, ainda que, porventura, a partir de fotografia, pelo menos nos anos mais recentes.
Neste movimento de “democratização” retratista (uma democratização evidentemente limitada e hierarquizada) , o direito a figurar nas memórias da “casa” passou a estender-se, desde os últimos três ou quatro anos, a todos os juízes do Supremo. E daí que se tenha criado também a galeria dos juízes, no 4.º piso, onde se situa a maior parte dos seus gabinetes. Estas fotografias são a cores e, evidentemente, tiradas em conjunto, no salão nobre. O direito que cada um tem ao seu quinhãozinho de glória encontra-se, assim, disseminado pelo conjunto das cerca de seis dezenas de juízes, reduzido, com excepção dos que se encontram na primeira fila, praticamente à cabeça e a uma parte do tronco, onde, por cima da beca abotoada, se destaca, sobre o preto dela, o colorido do colar, também de introdução recente nas insígnias distintivas do corpo judicativo do tribunal. Ao ritmo de um “retrato” por ano, imagina-se a rapidez com que os quadros emoldurados contendo as sucessivas levas de juízes irão invadindo as paredes, até que o direito à memória consiga resistir ao tempo, e a mão burocrática de um qualquer funcionário os arrecade com a delicadeza possível numa das muitas dependências de coisas inúteis que costuma haver nos serviços do Estado.
Bem, mas o que me levou a esta digressão pela “política” de perpetuação das memórias dos “notáveis”, neste caso do Supremo Tribunal de Justiça, foi eu ter topado recentemente, nas páginas da revista “Visão” com uma foto dos juízes do Tribunal Constitucional, inserida numa notícia sobre a renovação de parte dos juízes deste tribunal, por terem cessado o mandato. Que diferença entre esta foto de conjunto e a dos juízes do Supremo! Só por si, esta, digamos, diferente metodologia iconográfica mereceria uma boa página de análise, à altura do Roland Barthes das “Mitologias”.
Enquanto os juízes do Supremo Tribunal de Justiça aparecem num conjunto uniforme, bem alinhado, em filas que vão em escala ascendente, por degraus, envoltos nas suas becas, conspícuos, sem singularidades distintivas para além das que os distinguem como grupo – um grupo à parte no seio de todos os grupos profissionais que trabalham no Supremo -, os juízes do Tribunal Constitucional, também formando um grupo à parte, aparecem nos seus trajes “profanos” e assumindo atitudes que pretendem marcar a singularidade de cada qual: uns sentados, outros de pé, este com o cotovelo apoiado no degrau duma escada, aquele servindo-se do tampo de uma mesa como assento, e todos arremedando um ar descontraído e até, em alguns aspectos, “négligé”, numa atmosfera intimista, de que o enquadramento recolhido da sala contribui para aumentar a densidade e o clima intelectual. Em suma, são outros juízes, com outro estatuto, outras regalias, outro perfil, outro modo de selecção, simultaneamente (ou supostamente) mais elitista e democrático. E são muito poucos, em comparação com os juízes do Supremo, formando um verdadeiro escol. São os juízes do Palácio Ratton. É natural que tudo isto se traduza na pose com que se pretende passar à posteridade. Os juízes do Supremo Tribunal de Justiça, em estilo mais convencional e muito próximo de qualquer daqueles retratos de grupo que nos habituámos a ver, desde os colectivos de colégio aos finalistas de um curso universitário, passando pelos grupos orfeonistas ou de qualquer outra turma semelhante; os do Tribunal Constitucional, em estilo mais informal, mas sem dúvida mais próximo de uma plêiade de notáveis, em que a excelsitude do grupo é indissociável da singularidade dos seus membros.

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