08 março 2007

 

A vitória sobre o monstro

Concordo com as ideias expendidas por Vital Moreira, no seu artigo de opinião no “Público” da passada terça-feira. É um artigo justo, correcto e comedido. Nele, o articulista distingue causas de congestionamento e ineficácia dos tribunais a que se pode atalhar com medidas imediatas como as que foram implementadas e que se traduziram, segundo os números oficiais, numa diminuição da pendência de processos e do número de processos entrados de “causas estruturais que pesam sobre o desempenho da justiça” e que têm a ver com a organização judiciária, a complexidade processual, o abuso de expedientes processuais e recursos, o aumento de litigiosidade, a carência de meios humanos e materiais, o aproveitamento óptimo dos meios disponíveis, como, por exemplo, a afectação dos juízes apenas a tarefas que tenham a ver com a função de julgar, a falta de controle da produtividade dos “operadores judiciários”.
Ora, em primeiro lugar, Vital Moreira, não obstante a simpatia que geralmente manifesta para com as medidas governamentais que vêm sendo implementadas, embora com aspectos críticos, não embandeira em arco com o sucesso proclamado de forma altissonante pelo governo. Sem negar os resultados positivos, diz expressamente que não são “espectaculares”, e nisto marca uma assinalável distância da posição assumida pelo governo, nomeadamente pelo primeiro ministro, que vindo em auxílio do seu ministro da justiça, classificou os resultados de “absolutamente extraordinários, surpreendentes e motivadores”, apresentando-os como uma vitória contra o “monstro” – uma linguagem muito consentânea com a arrogância com que vêm sendo atacados certos sectores da sociedade, nomeadamente o sector da justiça.
Por outro lado, o artigo de Vital Moreira tem o mérito de não centrar as causas da ineficiência da justiça fundamentalmente nos “operadores judiciários”, ao contrário da ideia que vem fazendo carreira e que, ainda por cima, injustificadamente restringe os “operadores judiciários” aos que (magistrados do Ministério Público, juízes, funcionários) trabalham nos tribunais – ideia essa que, tendo a implementá-la vários interesses conflituantes, foi de certo modo incrementada por alguns comportamentos do actual governo.
Se é verdade que juízes, magistrados do Ministério Público, funcionários, polícias têm “culpas no cartório”, muitas vezes por força de uma mentalidade conformista e burocrática, rotinas instaladas, falta de sentido cívico e falta de sentido criador e inovador, e outras vezes por incapacidade, negligência e falta de consciência deontológica (factos que não serão muito diferentes do que se passará a nível de qualquer outra profissão), também não se pode escamotear que outros operadores judiciários têm grandes responsabilidades no estado em que a justiça se encontra. Vital Moreira cita, por exemplo, o abuso de expedientes processuais, nomeadamente recursos. E também os sucessivos governos não podem ficar à margem desta responsabilização, como também outros órgãos de soberania, uns e outros por não terem implementado medidas a tempo, não terem tido o “golpe de vista” necessário para preverem as situações, não terem disponibilizado os meios adequados e terem também, em certos casos, confundido o interesse nacional com interesses partidários.
Por último, há causas estruturais que têm a ver, quer com a situação de crónico atraso do país, quer com a explosão de direitos e a procura judiciária propiciados pelo desenvolvimento subsequente ao “25 de Abril”, quer ainda com a desadequação do “sistema de justiça” às mudanças de toda a ordem a nível político, social e económico que têm vindo a ocorrer, tanto a nível nacional, como a nível transnacional e global.





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