30 dezembro 2006

 

Imagens vadias da morte anunciada

Chega o condenado.

Aspecto sóbrio,

sem parecer ter medo da morte que se aproxima.

Primeiro é dada a explicação dos procedimentos da execução

Tudo transparente.

Depois colocam um bonito lenço preto à volta do pescoço.

A seguir a corda grossa enrolada.

E depois o lençol branco, imaculado, a cobrir um corpo!

Resta o vento e a culpa

sempre de mãos dadas pelo mundo fora…

Os americanos já disseram:

É só um enforcamento (o primeiro dos anunciados) políticamente correcto!

Que não pese nas consciências…

 

Execuções!

E, afinal, aconteceu mesmo!

No dia sagrado da Eid-al-Adha foi executado Saddam Hussein!
Haverá dúvidas (ao menos para já, pelo que me apercebo) se o mesmo sucedeu com Barzan al-Tikriti (seu meio irmão) e com Awad Hamed al-Bandar (um antigo juiz).

Agora, resta ouvir (se é que têm alguma coisa para dizer) os chamados Governos Democráticos…

 

Pena de Morte!

Dizem as notícias de última hora (que nunca se sabe se são verdadeiras):


Bagdad, 29 Dez (Lusa) - O ex-presidente do Iraque Saddam Hussein será executado no sábado antes do amanhecer ou dentro de cinco dias, no fim da festa muçulmana de Aid al-Adha, anunciou hoje um deputado iraquiano próximo do primeiro-ministro Nuri al-Maliki.


Será possível que isto ainda aconteça em pleno século XXI?

Até quando?

29 dezembro 2006

 

Portugal-cigarra

Segundo um estudo da Direcção-Geral de Economia e Finanças da Comissão Europeia, divulgado pela imprensa, Portugal malbaratou as facilidades que lhe foram concedidas no âmbito do processo de convergência com os países da União Europeia. Em vez de aproveitar o impulso que lhe foi dado para desenvolver a sua economia, Portugal fez como a cigarra e deitou-se ao sol a cantarolar e a consumir alegremente as provisões que lhe vinham de fora, sem cuidar de se precaver contra a exaustão, num futuro próximo, dessas provisões. Enquanto a árvore das patacas foi pingando aos abanões sacudidos com que era agitada, o país foi mamando descuidada e irresponsavelmente. Depois, quando lhe disseram “Basta de forrobodó”, foi obrigado a pensar no buraco que foi cavando, e mais do que isso, foi-lhe intimado que o tapasse rápida e drasticamente. Então, foi o ai, Jesus!, é preciso apertar o cinto.
Este tipo de desastre não constitui nenhuma novidade histórica. Portugal é useiro e vezeiro neste tipo de comportamento. Já foi assim noutras situações de plétora. É uma tendência secular.
O mais digno de nota é que este descalabro actual tenha medrado fundamentalmente durante o consulado socialista de Guterres. Foi um tempo de vacas gordas em que toda a gente, na esfera pública e na esfera privada, viveu à larga e à francesa, alimentando o seu quotidiano de ilusões, que a partir dos finais da década precedente começaram a esvaziar-se como balões de oxigénio num fim de festa. Antes, já havia sido a desavergonhada cena das fraudes com os fundos comunitários (no consulado de Cavaco).
Que agora compita a outro governo socialista a espinhosa missão de pôr as finanças na ordem, eis o que não será épico por aí além, nem motivo para grande orgulho. Deveria, sim, ser motivo para maior humildade, senão para alguma contrição. Até porque muitos governantes actuais não estão isentos de responsabilidades pelo que se passou antes.

 

Finanças Públicas e Investigação Criminal

O Orçamento de Estado para 2007, aprovado pela Lei 53-A/2006 , esse instrumento de gestão que contém a previsão das receitas e despesas públicas foi hoje publicado em DR.

No Capítulo XIII, da mencionada Lei, com a epígrafe de "Outras disposições com relevância tributária", na sua Secção II - "Organização Administrativa", surge o Artigo 103º.
Artigo este que procede à alteração da Lei nº 21/2000, de 10 de Agosto - a denominada Lei de Organização da Investigação Criminal nos seguintes termos:

"O artigo 4.º da Lei n.º 21/2000, de 10 de Agosto, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 305/2002, de 13 de Dezembro, passa a ter a seguinte redacção:


«Artigo 4.º
[…]
.....................................................................................
ee) Crimes tributários de valor superior a 1 milhão de
euros, quando assumam especial complexidade, forma organizada
ou carácter transnacional; (...)»


Ao ler esta norma fui confrontada com o facto de a minha ignorância em matéria de finanças públicas ir mais além daquilo que eu própria queria admitir. É certo que não fui boa aluna a Economia e Finanças Públicas. Raramente fui às aulas, fiz a cadeira por correspondência e com uma mísera nota (está, assim espero, justificada qualquer calinada que possa cometer ao escrever estas breves palavras).
Nunca tinha pensado que a investigação criminal tivesse outra relevância para além da concreta fase processual em que a mesma se integra - o Inquérito -, o do CPP.
Também nunca me ocorreu que a repartição de "competências" entre os OPC se prendesse com a organização administrativa. Ali lado a lado com a Direcção-Geral dos Impostos e com a Câmara dos Despachantes Oficiais.

Nah... Decerto não fazia parte do programa.

28 dezembro 2006

 

Balada do Natal

Ufa! Acabou-se mais um Natal! Já se consoou com a família. Já se comeu o bacalhau mais ou menos inglês. Já se desbaratou o décimo terceiro mês e coisa e tal. Já se deram todas as prendas a quem havia a obrigação de dar. Já ficou tudo em fanicos pelo chão, papéis floridos, fitinhas, lacinhos e mais coisas de arrebicar. As luzinhas do pinheirinho a piscar. Já se deram as Boas-Festas a toda a gente que as merecia. Já se mandaram mensagens mil através do telemóvel – mensagens de paz e alegria. É uma invenção maravilhosa esta tecnologia. Permite comunicar rapidamente para qualquer parte, seja aqui, seja no estrangeiro. Em suma, para o mundo inteiro. Cada pessoa é como se fosse ubíqua. Dispensam-se os postais de cromo e não é preciso nenhum carteiro. Dantes, era preciso escrever tudo à mão. Que enfado! Agora não. É só premir o respectivo botão. E do outro lado saem logo as Boas-Festas e um Novo Ano do baril. Quem gosta de tudo isto é a Optimus, a PT Comunicações, a Vodafone e outras empresas de comunicações que nos levam ao redil (vocábulo que vem de rede).
Já se matou das compras a sede. Foi uma lufa-lufa, um corrupio de um lado para o outro. Ufa! Já se comeram todos os jantares: jantares da empresa; jantares da secção; jantares com os amigos e com os vizinhos do lado; jantares lá do ginásio e do clube, mais da Associação, que aproveitou a ocasião, para pedir mais uma ajuda, mais um esforço para obras de bonificação. Foi um autêntico prazer de estar à mesa.
A quadra do Natal é a mais bonita do ano, mas dá um stresse do catano. Gloria in excelsis Deo, que nos dê, ao menos, um ano de cada vez, o décimo terceiro mês e nos livre das más tentações daqueles que, socialistas ou não, congeminam truques do orçamento para nos levarem cada vez mais IRS e, à conta de privilégio, darem também cabo daquele suplemento.

24 dezembro 2006

 

Bom Natal para todos vós

Nesta véspera de Natal lembrei-me dos trabalhadores despedidos da Opel da Azambuja. Não conheço nenhum, nem nutro o sentimento de comiseração, nem sequer talvez o de solidariedade, por eles. Receberam uns tostões e foram para casa mais ou menos calados. É a resignação perante o mundo em que vivemos, as deslocalizações, a globalização, etc.
O que me leva a falar deles é a exemplaridade do seu caso. Ninguém hoje pode estar seguro do seu emprego. Ninguém pode ter confiança e orgulho no seu trabalho, na sua empresa. Em qualquer altura, a empresa pode sumir-se e mandar os trabalhadores à vida. Estes podem ter 20 e poucos anos ou 40 e tal ou mesmo 50. Que vão fazer então? Desenrascar-se, se puderem, é essa a lógica do capitalismo actual, o mais selvagem de todos. Para o capitalismo dos nossos dias os trabalhadores são uma mercadoria quase sempre em excesso. Os trabalhadores não trabalham, atrapalham. Reduzir o pessoal ao mínimo essencial é a preocupação permanente de qualquer gestor consciente. O capitalismo não precisa das pessoas. Precisa apenas de consumidores. Por isso as deita fora. A meta ideal é a empresa integralmente mecanizada, sem factor humano. Mas donde virão então os consumidores? Onde procurar sempre novos mercados?
Os trabalhadores da Opel da Azambuja vão ter agora tempo para pensar nisto tudo, enquanto
vão gastando os cobres (até quando darão?). E enquanto os nossos governantes vão continuar a falar na necessidade de mais investimento estrangeiro, etc. etc. para criar riqueza, etc, etc. Sábia governação.
Em todo o caso, para todos desejo Bom Natal e a todos deixo este poema de Natal de Jorge de Sena, escrito numa altura em que estava mal disposto com o seu país e com o mundo inteiro do seu tempo, como ele aliás quase sempre estava:


Natal de 1971

Natal de quê? De quem?
Daqueles que o não têm?
Dos que não são cristãos?
Ou de quem traz às costas
as cinzas de milhões?
Natal de paz agora
nesta terra de sangue?
Natal de liberdade
num mundo de oprimidos?
Natal de uma justiça
roubada sempre a todos?
Natal de ser-se igual
em ser-se concebido
em de um ventre nascer-se,
em por de amor sofrer-se,
em de morte morrer-se,
e de ser-se esquecido?
Natal de caridade,
quando a fome ainda mata?
Natal de qual esperança
num mundo todo bombas?
Natal de honesta fé,
com gente que é traição,
vil ódio, mesquinhês,
e até Natal de amor?
Natal de quê? De quem?
Daqueles que o não têm,
ou dos que olhando ao longe
sonham de humana vida
um mundo que não há?
Ou dos que se torturam
e torturados são
na crença de que os homens
devem estender-se a mão?




22 dezembro 2006

 

Bate, bate, coração!

O movimento "Não, obrigada" (ou melhor, Obrigada ao Não, como já expliquei há tempos) vai mostrar ao povo votante um vídeo com um coração de um feto de 10 semanas a bater.
A dramatização demagógica da campanha para o referendo vai ser seguramente uma opção do "não". Os seus argumentos não vão apelar à razão, nem sequer ao bom senso, mas sim à emoção primária, ao preconceito, aos pré-juízos arcaicos de uma cultura patriarcal. Esperemos, que ainda há muito para ver.
Mas esta história do coração está mal contada. Falta a segunda parte. Falta dizer que não é o batimento do coração que traça a fronteira entre a vida e morte. Ainda que o coração esteja a bater, a partir da morte do cérebro a morte da pessoa é decretada. E aquele coração vivo vai ser aproveitado para ser enxertado noutra pessoa (e salvar-lhe a vida).
Sendo a vitalidade do sistema nervoso central a fronteira entre vida e morte, pode também a sua constituição, às 10/12 semanas de gestação, enquanto "salto qualitativo" na evolução do feto, servir como referência para o estabelecimento do prazo de licitude da IVG. Ao contrário do que a demagogia do "não" apregoa, a constituição do sistema cardio-vascular não constitui nenhuma fronteira na evolução. O batimento do coração não significa que haja um "bebé" formado. Aliás, só há "bebés" depois de nascidos.

 

Guerra empatada é guerra perdida

Bush filho, com aquela finura de raciocínio que o caracteriza, distinguiu entre guerras que se estão a ganhar e guerras que se estão a perder, acrescentando uma categoria nova: a das guerras em que não acontece uma coisa nem a outra (uma guerra empatada, digamos), para concluir que: "Não estamos a ganhar a guerra no Iraque, mas também não a estamos a perder" (situação de "empate técnico", portanto).
Ficamos, pois, a saber que as inúmeras declarações de vitória que já proferiu não eram para levar a sério. Mas então, por que havemos de acreditar no que ele agora diz?
Mas há mais. Quem desencadeia uma guerra é sempre para a ganhar. Se a certa altura chega à conclusão de que não a está a conseguir ganhar, está a falhar o objectivo que traçou. Uma guerra empatada é, para quem a desencadeia, uma derrota.

21 dezembro 2006

 

A carta

Está a dar celeuma a carta que o Primeiro Ministro mandou para o Ttribunal Constitucional juntamente com cinco pareceres de juristas sobre a constitucionalidade da Lei das Finanças Locais, e que não sei se terão custado muito ou pouco dinheiro ao erário público (costumam pagar-se bem estes juristas) ou se o terão feito gratuitamente, por pura devoção à causa pública e por respeito à situação de aperto em que o país vive.
Desconheço o conteúdo dessa carta, e por isso não a comento. Podia ter-se limitado a remeter os pareceres dos tais juristas ou, quando muito, chamando a atenção para o conteúdo desses pareceres. Isso poderá não configurar uma forma de pressão. Já o seria, se, por hipótese, o Primeiro Ministro expendesse razões que saíssem fora do campo jurídico e argumentasse, sempre como hipótese, com o interesse para o Governo da lei cuja apreciação de constitucionalidade foi pedida.
O que acho interessante é a forma como o Primeiro Ministro respondeu às críticas. Sem revelar o conteúdo da carta, ele disse que “o Tribunal Constitucional não é pressionável”. Ora, por um lado, esta resposta alimenta as suspeitas dos que criticam o envio da carta. Repare-se que o Primeiro Ministro não disse que a carta não continha nenhuma matéria que pudesse ser considerada como forma de pressão. Disse que o Tribunal Constitucional não era pressionável. Por outro lado, ao afirmar isso mesmo, o Primeiro Ministro deu mostras de confiar particularmente na independência do Tribunal Constitucional, o que também não deixa de causar algumas perplexidades, porque pode parecer uma daquelas lisonjas impertinentes ao tribunal que tem de apreciar a questão, numa situação especialmente crítica para o Governo. Repare-se que o Primeiro Ministro restringiu a sua confiança apenas àquele tribunal. E os outros? Serão pressionáveis?

 

Dogmas e heresias

“Se te preparas para dizer a verdade é melhor que tenhas um pé no estribo”. É mais ou menos assim que reza o ditado turco, que, de entre outras leituras, é susceptível de ser interpretado em termos de quem exprime uma opinião fundamentada ou incisiva sobre um ponto dever contar com duas coisas: com a eventualidade de ter de fugir e com a certeza de ter de esperar por reacções hostis, quando não de agressão. Ora bem, se fugir – que neste contexto teria o sentido óbvio de recuar no exercício da mais fundamental das liberdades – não faz o meu feitio, devo reconhecer que não esperava que o exercício opinativo fosse mote para a virulência histérica que varreu o dia de ontem. Desde o puro e simples insulto até à manipulação (para usar eufemismo) das palavras e das ideias por certo jornalismo, de tudo se viu (e muito não se viu) um pouco. O que não se verificou, salvo honrosas excepções (de que o postal anterior é bem exemplo, apesar da minha discordância em alguns pontos e de versar sobre um aspecto limitado da questão), foi o desmantelar criterioso, sereno e fundamentado de cada um dos argumentos alinhados (para quê um argumento se há um insultozinho – homofóbicos, preconceituosos e outros que o pudor me retém de propalar – ali logo à mão?) e do valor conjunto deles. E isso, segundo creio, diz alguma coisa da força dos mesmos…
Por outro lado, aquela reacção violenta é para mim tão marcante, quanto se perde de vista esta evidência mesquinha: o artigo do Código Penal em causa é tão só a norma, de todo o diploma citado, que mais fez jus àquela expressão de um ilustre penalista (mas já adquirida como património comum), que se referia a uma certa “política criminal à flor da pele”. Contando com redacção inicial, ela conheceu, desde 1982, quatro redacções (DL 400/82, de 23.9, DL 48/95, de 15.3, L 65/98, de 2.9 e L 7/2000, de 27.5). Em nenhuma dessas ocasiões foi debatida com seriedade, segundo julgo, a hipótese de equiparação que agora se pretende explicitamente consignar (e não há nada que tenha por mais duvidoso do que a consideração de que a L 7/2001, de 11.5 tenha tido a virtualidade de alterar um tipo penal, alargando a previsão incriminatória preexistente; trata-se antes de uma lei que reconhece – e bem – a quem viva em união de facto, independentemente do sexo, direitos bem precisos – e só eles – previstos nos artigos 3.º e ss.). É claro que com isso não quero dizer que o legislador reformista tenha de ficar preso a opções pretéritas – de resto, é por isso que é reformista. O que quero dizer é que uma objecção à alteração, num tal contexto, sobretudo num tal contexto, não deve ser remetida, como parece ter sido, por alguns, para a categoria de torpeza herética e nem a solução reformadora elevada à grandeza de dogma revelado. Coisa que os que se recusam a argumentar – e preferem falar por cima – se terão olvidado. E com isto, pelo que me toca, dou por findo este capítulo. Um bom Natal e melhor Ano Novo.


20 dezembro 2006

 

O direito à diferença.

O direito à diferença só se trata de um verdadeiro direito se exercido num plano de igualdade. Sem essa igualdade, a diferença rapidamente se transmuta em discriminação. E ao Estado cumpre criar as condições para que essa igualdade se verifique. E cabe-o fazer independentemente de se verificarem eventuais consensos sociais acerca de determinada matéria decisivamente implicada na sua realização. Com efeito, e a meu ver, a sua acção mostra-se plenamente legitimada pelos valores que comunitariamente foram erigidos à condição fundamental de constitucionais e pela densificação que lhes é dada.
A inserção, na nova redacção do tipo de crime de violência doméstica, da relação análoga à dos cônjuges entre pessoas do mesmo sexo como relação penalmente relevante candidata à aplicação da norma não é, com efeito, um "gigantesco passo civilizacional". Na verdade, atendendo à unidade do sistema jurídico (leia-se art. 13º da Constituição da República e Lei n.º 7/2001, e a relevância jurídica conferida à comunhão de vida estabelecida entre pessoas do mesmo sexo) e à evolução do social que o próprio sistema jurídico reflecte, tal realidade mostra-se também tutelada pelo actual tipo de crime de maus tratos.
Ainda assim entendo justificada tal inserção (no pressuposto de que a lei nova não pretende tornar o tipo em questão num crime específico no que se refere ao género do agente e da vítima, como julgo ser o caso). Justifica-se como o formal reconhecimento de que a uma situação igualmente desvaliosa (infligir maus tratos físicos ou psíquicos a quem consigo conviva em condições análogas às dos cônjuges) responde-se de uma forma igualmente gravosa.
Trata-se de criar, também no âmbito penal (aquele que, reprimindo os actos abusivos, garante, no fundo, o exercício das liberdades por todos), o plano de igualdade que permite o livre exercício do dito direito à diferença.
Quanto a esta matéria, como, aliás, em relação a tantas outras, não se vislumbra onde afinal está o cerne do debate e a apregoada necessidade de consensos sociais alargados...

 

Cortesias

O nosso Primeiro-Ministro pode ter muitos defeitos, mas é indiscutivelmente uma pessoa cortês. A comprová-lo, está aí o gesto de enviar ao Tribunal Constitucional 5 (cinco) pareceres jurídicos para ajudar (ou "cooperar" com) o Tribunal a decidir a espinhosa questão da constitucionalidade da nova Lei das Finanças Locais (pareceres que não eram necessários, porque o Tribunal tem de conhecer o direito, mas sempre dão jeito), acompanhados de uma simpática cartinha de cortesia.
O gesto é tanto mais de louvar quanto o Tribunal não teria certamente dinheiro para encomendar os pareceres e o Governo nem sequer é parte no processo, já que se trata de uma lei da Assembleia da República, de forma que o Governo agiu desinteressadamente, apenas com o objectivo de "cooperar com o Tribunal".
Embora descontando que estamos em época natalícia, trata-se de um gesto que eleva a nossa vida política, tantas vezes marcada por atitudes crispadas, acusações infundadas, agressividade excessiva, pelo que é uma atitude que está desttinada a inaugurar uma nova cultura política, pautada pela cortesia.

 

Discordo ainda

De como o pensamento de um cidadão pode ser distorcido.

19 dezembro 2006

 

A jurisprudência assassina do Supremo Tribunal de Israel

Segundo o Supremo Tribunal de Israel, os assassínios selectivos não são necessariamente proibidos pelo direito internacional consuetudinário; é preciso ver caso a caso. E estabeleceu doutrina. São quatro as condições que legitimam o assassínio selectivo: haver informação convincente quanto à actividade terrorista; serem aplicados os meios menos danosos contra civis implicados em actividades hostis; ser conduzida uma investigação para avaliar as circunstâncias do acto, após a sua prática; e proporcionalidade dos ataques a civis.
O Supremo Tribunal israelita já se distinguira há anos por admitir como legítimas as "pressões físicas moderadas" contra prisioneiros (palestinianos, evidentemente) praticadas pelos militares.
Em Israel é assim: os militares matam, massiva ou selectivamente, conforme as "necessidades". Depois, o Supremo Tribunal cobre o sangue com o seu manto diáfano de legalidade.
E o Estado de Israel exibe perante o mundo o esplendor do seu Estado de Direito, o único daquela região.

 

De procurador a assistente, sempre especial

Procurador especial, assistente especial, inquérito parlamentar sobre a actividade do MP num inquérito criminal, os desvarios sucedem-se na outrora prestigiosa Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que tem um especial dever de cuidar da Constituição e, antes de mais, de a conhecer. A falta de cultura constitucional é flagrante. Não são só os magistrados que precisam de maior preparação em matéria de direito constitucional.
E os constitucionalistas, que têm a dizer? Não é estranho este silêncio, até porque alguns deles têm "direito de antena" na imprensa?

 

Discordo




Deixa-me desconsolado a forma silenciosa, sem protesto nem reivindicação, como o Governo se prepara para dar à estampa uma funda Revisão/Reforma, ou como se quiser nomeá-la, do Código Penal. Não é culpa do Governo, por certo; é antes de cada um de nós, que mesmo discordando de um ou outro ponto não se dá ao cuidado de expor as suas ideias, de censurar esta ou aquela opção. Muita dessa inércia não se explicará, apenas, por puro e simples desinteresse sobre as vicissitudes da vida da República. Ela mergulha bem fundo noutras causas que, porventura, dariam matéria para muitos postais e de entre as quais não figurará num lugar menor um certo receio de ir contra a ortodoxia. Vem isto a propósito de uma das propostas de alteração constantes do Anteprojecto da Revisão do Código Penal (= ARCP) ao pretérito crime de maus-tratos, que agora corre sob a epígrafe de “violência doméstica”, e em que se equipara ao cônjuge, para efeitos de punição dos maus-tratos, a vítima do mesmo sexo do agressor e que com ele conviva em termos análogos aos cônjuges (artigo 152/1/b). É a propósito dessa alteração que ensaiarei de seguida explicar as razões da minha discordância.
Desde logo, pré-requisito necessário a uma discussão justa e leal da questão é o seguinte: o homossexual, viva ou não em condições análogas às dos cônjuges com outra pessoa do mesmo sexo, não está desprotegido pela lei penal. Agredir um homossexual, como agredir quem quer que seja, é obviamente comportamento punível como crime. Esta afirmação supérflua para qualquer jurista de vão de escada, não o é, segundo julgo, para muitos cidadãos, a quem a alteração proposta pode ser apresentada como uma espécie de gigantesco passo civilizacional em termos de o statu quo ante ser alterado de forma radical e de um cidadão decente não ter mais que pensar e fazer do que aderir cegamente ao que lhe é ditado. Ou seja, e reduzindo a coisa aos seus precisos limites, o que está em causa é saber se a equiparação referida é necessária ou se ela se justifica. Sendo que a minha opinião sobre este ponto corre pela negativa, importa alinhar as razões dela:
Em primeiro lugar, talvez não seja enormidade jurídico-penal afirmar que, não obstante a inserção sistemática do crime de violência doméstica nos crimes contra o bem jurídico integridade física, não é apenas esse o valor ali protegido ou que se trate de valor tutelado a se. Se fosse assim, a incriminação era pura e simplesmente redundante e bastaria o tipo geral da ofensa à integridade física (como, aliás, acho que bastaria e em termos de se fazer homenagem bem mais digna à liberdade da mulher; à mulher que verdadeiramente se queira libertar dos grilhões impostos pelo tirando doméstico). Portanto, há um plus. E esse plus flúi – ou melhor refracta-se – no regime jurídico-civil do casamento, do qual decorre para os cônjuges especiais deveres e obrigações que os maus-tratos, a mais da integridade física, põem em causa. É claro que com isso não quero dizer que sobre o comum dos cidadãos não recaia um dever geral de respeito que implica que não agrida o seu semelhante. O que quero dizer é que entre os cônjuges, entre os verdadeiros cônjuges, aqueles tidos como tal pela lei civil vigente, esse dever é vincado de modo muito específico e em nome de valores que me escuso de referir porque para percebê-los basta folhear o Código Civil.
E tudo isto remete-me para uma segunda objecção: a sociedade portuguesa está muito dividida quanto à equiparação da união homossexual à união heterossexual, enquanto casamento. Ainda hoje de manhã ouvi na televisão que, de acordo com um certo estudo, cerca de 70% dos portugueses está contra o casamento de homossexuais. Não sei de que estudo se trata e qual a credibilidade dele. Mas sei uma coisa: um tal valor – que aliás se pode intuir do que vamos lendo e ouvindo sobre a matéria – não pode (não deve) ser desconsiderado, especialmente ao nível do desenho das incriminações. Um consenso social alargado sobre este ponto é condição necessária para um direito penal que todos queremos legitimado. Mas perceba-se correctamente o que digo, ou melhor, o que não digo: não é minha intenção deixar a ideia de que o CP deve ir a reboque do CC. O que quero dizer é que o não reconhecimento do casamento homossexual é um sintoma inequívoco da falta de consenso sobre o ponto, falta essa (efectiva, aliás) que não pode deixar de projectar-se sobre as opções do legislador penal.
Em terceiro lugar, penso que não terá estado ausente da mente do legislador penal que pela primeira vez incriminou, de forma autónoma, os maus-tratos sobre o cônjuge, a evidência fenomenológica de que a maioria desses maus-tratos – ao menos nas expressões mais óbvias de maus-tratos físicos – ocorria, como ocorre, quase exclusivamente num sentido: do homem sobre a mulher; do fisicamente mais forte sobre o fisicamente mais fraco; do que, por razões ancestrais, detinha, como infelizmente detém, ainda, não raro, o poder económico, no seio do agregado, sobre aquele (aquela) que dele depende. Pergunto: o que é que autoriza pensar, e mais ainda que estudos demonstram, que esse substrato sociológico se reproduz nas relações homossexuais? Sei pouco ou nada de sociologia e em história sou apenas um curioso e, por isso, não bato o pé quanto a este ponto. Mas fica algo mais do que a minha impressão.
Em quarto lugar, e contíguo ao que acabei de afirmar, estou certo que a violência sobre os homossexuais assume, entre nós como em outras latitudes, expressões bem tenebrosas e não menos sinistras. É bem conhecida a realidade urbana de grupúsculos de delinquentes, geralmente adolescentes, que não arranja outro modo de afirmar a sua masculinidade que não seja através da sistemática agressão sobre quem escolheu uma orientação sexual diferente da sua. Freud explicar-lhes-ia o dilema que os atormenta; mas entretanto urge reprimir os comportamentos em que se traduz esse dilema, que nessas coisas não há vagar para grandes explicações. E a lei penal – rectius: uma interpretação correcta dela – já reprime tais condutas, como ofensa à integridade física qualificada ou homicídio qualificado, sendo quanto a mim mais ou menos óbvio que uma agressão ou homicídio determinados por ódio em função da orientação sexual deverão ser censurados nesses termos (coisa que a nova redacção do artigo 132/2/f, do CP, tal como resultante do ARCP, vem, quanto a mim bem, explicitar). Mas isso, repito, não tem nada que ver – assim o julgo – com um real problema social, sistémico, de agressão intraconjugal entre homossexuais. De modo que o que agora se pretende, com a equiparação aludida, não pode deixar de ter o amargo sabor de mais uma incriminação simbólica, de uso indevido do aparelho penal para fins que lhe são estranhos.
Por fim, por tudo isto perpassa uma certa contradição. Segundo julgo, as associações homossexuais estribam muito da sua luta num direito à diferença, que indubitavelmente lhes assiste e é, aliás, elemento definitório de qualquer modelo de democracia liberal. Ora, é precisamente essa diferença, esse direito à diferença, que explica que não haja discriminação alguma na actual redacção do crime de maus-tratos. E, note-se, que não me refiro a qualquer diferença no plano dos factos. Refiro-me muito simplesmente à evidência jurídica de que os homossexuais não se casam entre nós, porque a lei (aliás, ao que parece, com amplo apoio popular) não o permite. E de qualquer modo não deixa de ser estranhamente paradoxal que se pretenda fazer valer aquele direito à diferença precisamente através de instrumentos jurídicos equalizadores. Segundo creio, é essa obsessão igualitária que constitui pano de fundo da alteração proposta. Que ela não tem por si muitos argumentos e que é susceptível de ser apanhada na armadilha da contradição, é coisa que, modestamente, julgo ter demonstrado.
Em tudo isto, é claro, não julgo que se jogue algo de muito importante. Se o legislador quiser incriminar a violência doméstica recorrendo ao aqui abordado mecanismo da equiparação, que o faça, ainda que, presumivelmente, sem o consenso que seria próprio e desejável em questões como esta. O que acho é que nem por isso o mundo passará a ser um lugar melhor.

17 dezembro 2006

 

Down under




16 dezembro 2006

 

Chegou D. Sebastião, versão feminina

O geral e desmesurado regozijo com que foi acolhida a nomeação da Maria José Morgado para coordenadora dos processos por corrupção desportiva parece confirmar a persistência de um dos mais vincados traços da nossa mentalidade colectiva: o sebastianismo.
Agora sob encarnação feminina, o que é uma saudável actualização do mito.
A Maria José Morgado, além de investigar, terá de saber gerir a mitologia que a pôs quase no altar.
Desejo-lhe sinceramente que tenha êxito na investigação e simultaneamente que saiba desmitificar o mito.

 

Para lá do absurdo

Não fosse coisa séria, os desenvolvimentos em perspectiva para o “estranho caso do Procurador Especial” seriam mote para gostosa gargalhada. Não é que agora o PS, tendo deixado cair a celerada figura do Procurador Especial, pretende – segurem-se bem – que o Parlamento possa “constituir-se assistente e designar um mandatário para que indícios de crime apurados em inquéritos parlamentares possam ser julgados”?
De tão bizarra que é, a pretensão torna qualquer exercício de crítica dificilmente racionalizável. No entanto, e para já, suspeito que o Parlamento não agirá subordinado ao MP, nos termos gerais do artigo 69.º, n.º 1, do CPP. A sua actuação cairá na excepção prevista na parte final daquele artigo (actuação não subordinada ao MP) e, então, Eureka; ou, melhor, “burla de etiquetas”: conseguiu-se, por rectas contas, um Procurador Especial e com poderes bastantes para aquilo que não vale a pena dizer porque todos já sabem o que é.
A mais da decência, penso que se perdeu o juízo.

15 dezembro 2006

 

À atenção dos corruptos (que os há)

Corruptos do meu país, tremei. Agora é que vão ser elas.

14 dezembro 2006

 

Dead man suffering


Mais uma vez é ressuscitada a questão sobre o sofrimento que é imposto ao condenado na execução da pena de morte através da injecção letal.
Pois... Essa é que é a questão essencial.

12 dezembro 2006

 

À conversa com Gonçalves da Costa

É na próxima sexta-feira, dia 15, à hora de jantar e depois de jantar, no restaurante do Teatro S. Luís, em Lisboa, em iniciativa promovida pela Associação Sindical dos Juízes Portugueses.
Conheço há muito o cidadão e juiz-conselheiro jubilado Gonçalves da Costa, com ele participei em muitos actos processuais e em muitas iniciativas da cidadania. Ele é uma referência para quem com ele trabalhou, com ele lidou, com ele conviveu. Muitas gerações de magistrados tiveram a oportunidade de o ter como docente no CEJ e creio que a todos é grata essa recordação.
Eu não posso estar no S. Luís. Mas estou certo que muitos irão acorrer à feliz iniciativa da ASJP para não perder a oportunidade de estar um pouco à conversa com ele.

 

Conselho aos maridos de direito ou de facto

Tratai sempre bem vossas esposas, de direito ou de facto. Se não, a vingança pode ser terrível. Até o que dizeis baixinho na cama pode aparecer em letra de fôrma, exposto à curiosidade geral e das autoridades em particular, que irão ler avidamente o livro da esposa, de direito ou de facto, à procura dos mais ínfimos indícios para vos enterrarem.
Aquele que sabeis não tomou esse cuidados e agora por maiores cuidados passa.
Que melhor moral para esta história?

11 dezembro 2006

 

Crimes e pecados

O sr. Arcebispo de Braga e presidente da Conferência Episcopal Portuguesa insiste em confundir crimes com pecados. Para ele, ainda que o aborto seja despenalizado, continua a ser crime!
Quando é que ele interioriza que o código da Igreja não é código do Estado, que a Igreja só pode estabelecer a lista dos pecados, não a dos crimes?

 

Pesca de rede


Já noutra ocasião tive o ensejo de abordar, aqui e aqui, duas recentes decisões do Tribunal Constitucional Alemão sobre os limites do combate à ameaça do terrorista, sublinhando que tal instituição vem demonstrando uma louvável firmeza (que não é demais enfatizar nos tempos que correm) no que respeita à contenção dos cada vez mais fortes ataques do Estado às liberdades individuais que, como sempre sucede, se pretendem legitimar com a necessidade de garantir a segurança de todos nós.
Vem isto a propósito de mais uma decisão – agora de 4 de Abril de 2006 – que vem estilhaçar a pretensão do executivo de, em nome da segurança colectiva, sujeitar largas franjas da população a um assalto maciço ao seu direito à autodeterminação informacional. Concretamente, foi objecto do escrutínio do TCA a conformidade constitucional de uma lei que permitia à polícia a recolha, concentração, conexão e tratamento informático de um número gigantesco (da ordem dos milhões) de dados pessoais existentes em instituições públicas e privadas (universidades, registo civil, centros de registo de emigrantes, etc.) de modo a estabelecer um determinado conjunto de pessoas com um perfil correspondente ao terrorista-tipo do pós 11/9 (leia-se: homem, com idade de 18 a 40 anos, estudante ou ex-estudante, sobretudo das áreas tecnológicas, Islâmico, sem crianças por sua conta e com uma vida reservada, low profile). Visa-se, com este data screening preventivo (o, assim chamado, data screening repressivo – isto é, levado a efeito no âmbito da investigação de um crime – encontra-se regulado no § 98 do Código de Processo Penal alemão desde 1992), monitorizar e perseguir os, assim chamados, “dormentes” (sleepers), ou seja, supostos terroristas islâmicos que vivem em países ocidentais, de modo a não chamar a atenção de quem quer que seja, nomeadamente das autoridades, com o exclusivo propósito de, quando lhes for ordenado, levarem a cabo actos terroristas de grande impacto e mortandade.
Pois bem, o TCA considerou que, em face da intensa violação do direito fundamental à autodeterminação informacional que a utilização ante facto de um tal instrumento necessariamente implica, intensidade aumentada pelo carácter secreto dos procedimentos em causa, e bem assim pelo efeito estigmatizante dele decorrente, essa utilização, dizia-se, só estaria constitucionalmente legitimada onde se apurasse um perigo concreto, em termos de se verificarem factos que efectivamente e de modo actual apontem para a existência de sleepers preparando-se para desferir um ataque num futuro perspectivável. Não basta a possibilidade – sempre existente – mais ou menos difusa de um ataque terrorista. A tudo acresce que, ao que parece (e aliás sucede não raro com instrumentos deste tipo), a eficácia da data screening para atingir o fim indicado é mais do que questionável. O que por certo não é questionável é o seu potencial lesivo de um enorme número de pessoas que nada têm que ver com terrorismo.
Sobre este tema, em geral, pode-se ler mais aqui; sobre a citada decisão do TCA, pode espreitar-se aqui.

10 dezembro 2006

 

Então e a ONU?

Bush e Blair, os conquistadores de Bagdad, parecem duas baratas tontas, atordoados que andam, às cegas, aos encontrões às paredes, à procura de uma saída honrosa. Porque o problema deles agora é esse e apenas esse: sair honrosamente, ou seja, sem ser a fugir, ou melhor, sem dar a perceber que fogem. Mas as saídas parece que estão cada vez mais estreitas, não tardará muito que estejam todas tapadas. E então o plano de saída não será o B ou o C, será o F: fuga, pura e simples.
Entretanto, todos se esqueceram de um pormenor. É que os ocupantes, e nomeadamente os EUA, foram encarregados pelo Conselho de Segurança da ONU, sob a pressão precisamente dos EUA, que assim procuravam a legitimação da ocupação, de proceder à reorganização do Iraque, através da Resolução 1546, de 8.6.2004, tendo a obrigação de prestar contas perante o CS periodicamente sobre a situação e sua evolução. Os ocupantes, à luz dessa resolução, não podem abandonar o Iraque sem o assentimento do CS! Parece que todos se esqueceram disso, mesmo o CS!

 

Pinochet

A morte deste verdugo deixa-me hoje, tal como aconteceu com a morte de Franco, como com a de Salazar, um misto de raiva e de indiferença. Estes bandidos morrem sempre na cama, mas acabam vencidos, embora tarde.
Este último teve até os seus dissabores nos últimos anos, coitado. Tudo porque em 1990, ele, ditador absoluto, convocou um referendo para ser plebiscitado como presidente vitalício e perdeu! Perdeu, porque pensou que o povo o apoiava e não falseou a votação. Nisso, Salazar era mais prudente e céptico. Ele acreditava ser o homem providencial para os portugtueses, mas não confiava, e bem, suficientemente neles...
As últimas imagens de Pinochet mostravam-nos um velhinho inofensivo, quase simpático. Mas quem viu as imagens com que se mostrou ao mundo em 11 de Setembro de 1973 não as esquece mais: uma pose feroz de caudilho impiedoso, de ósculos escuros impenetráveis, rodeado dos seus capangas do golpe traiçoeiro com que enterraram a democracia - a própria imagem do terror, terror que iria implantar durante anos e anos no seu país. 3000 mortos, sem guerra civil, 3000 mortos quase todos sob torturas que só a Gestapo igualou.
Nesse século XX de todas as carnificinas, Pinochet obteve um lugar de destaque. Hoje o Chile vive em democracia. Mas preservar a memória do passado sinistro é essencial para que essa democracia sobreviva. E para que o mundo se torne um lugar mais habitável.

 

Lembram-se do taliban espanhol?


Esta foi a sentença do Tribunal Supremo Espanhol.

06 dezembro 2006

 

Sigilo Bancário e Criminalidade Organizada


Através do Decreto nº 118/2006 publicada hoje em DR foi ratificado o Protocolo da Convenção relativa ao Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal entre os Estados Membros da UE o qual foi aprovado para ratificação pela Resolução da Assembleia da República nº 61/2006.
Entre algumas alterações de forma e substância pode-se dizer que o cerne do Protocolo prende-se com os pedidos de informações bancárias e sobre transacções bancárias e quanto a estas lê-se no artigo 7º:

Nenhum Estado membro pode invocar o sigilo bancário para justificar a sua recusa de cooperação no que se refere a um pedido de auxílio judiciário mútuo de outro Estado membro.

 

Convite declinado, ministro indignado

A vida da comissão de inquérito do Parlamento Europeu sobre os voos secretos da CIA que se deslocou a Portugal, e é presidida por um português, não está a ser nada fácil. O "convite" formulado aos ministros da Defesa e da Administração Interna anteriores (Paulo Portas e Figueiredo Lopes) foi por eles "declinado". Porque não sabem nada, nunca viram ou ouviram dizer nada sobre o tal assunto. Mas que ministros incompetentes! Passam aviões e mais aviões "duvidosos" da CIA em território português e eles nada sabem! Espera-se que pessoas tão incapazes nunca mais sejam ministras, a não ser talvez do turismo.
Quanto ao actual Ministro dos Negócios Estrangeiros, está indignado. Mas não, como se poderia esperar, por haver indícios de o território português ter sido utilizado pela CIA já durante a vigência do actual Governo para missões secretas com destino a esse aprazível lugar de férias chamado Guantánamo. Está indignado porque o nome de Portugal vem referido no pré-relatório da comissão. E amuou. Mandou dizer que essa menção poderá "condicionar" a reunião marcada com a comissão.
Mas afinal não é do interesse de Portugal esclarecer este assunto até ao fim? E o Governo português já não gosta de comissões parlamentares?

 

"Não, obrigada" ou obrigada ao não?

De um enorme cinismo é o lema que dá o nome a um movimento pelo "não" no referendo do próximo dia 11 de Fevereiro: "Não, obrigada".
É que a possibilidade de dizer "não, obrigada" só existirá se o voto for "sim", pois só então haverá a possibilidade de escolha entre o "sim" e o "não", só então as mulheres poderão escolher entre fazer ou não fazer a interrupção de gravidez.
Ao invés, o "não" no referendo não dá escolha. O "não" obriga todas as mulheres, impede-as de escolher entre o "sim" e o "não".
Só o "sim" permitirá posteriormente dizer: "não, obrigada".

 

A história não se apaga

Tenho o maior gosto em publicar, e subscrever, o texto que se segue da autoria do Luís Eloy:

«Foi hoje descerrada no Tribunal da Boa-Hora uma lápide a prestar homenagem aos presos políticos que foram julgados no tribunal plenário.
Segundo o Jornal Público de ontem o texto final foi objecto de negociação entre o movimento “NÃO APAGUEM A MEMÓRIA” e o Tribunal da Boa-Hora (?).
O confronto entre o que se queria que constasse da lápide e o que vai aparecer escrito, uma vez que o “texto inicial da placa sofreu algumas alterações após negociação com o tribunal da Boa-Hora”, é absolutamente notável e extraordinário.
Sai do texto original:
“O tribunal não actuava com independência, aceitava e cobria as torturas e ilegalidades cometidas pela PIDE/DGS, limitava-se, salvo excepção, a repetir a sentença que a polícia política já tinha definido. Muitos juízes ignoraram e impediram os presos políticos de denunciarem as agressões e métodos da PIDE/DGS.”
Onde estava “A justiça e os direitos humanos não foram dignificados nem respeitados no Tribunal Plenário” passa a estar “A justiça e os direitos humanos não foram dignificados”.
Para além da complicada questão da legitimidade de quem “negoceia” pelo lado dos tribunais, o resultado é bem revelador do desajustamento que, trinta anos depois, a magistratura ainda tem com a sua própria história.
Talvez juntando as palavras desconhecimento, alheamento e branqueamento tudo isto se perceba melhor.»

Luís Eloy Azevedo

 

A preto e branco



De acordo com o New York Times de ontem, o Supremo Tribunal Federal dos E. U. A. está em vias de decidir sobre a conformidade constitucional dos "planos de integração racial" nas escolas. De acordo com eles, pode ser recusada a admissão de um aluno de uma determinada raça num estabelecimento de ensino desde que isso coloque em causa o "equilibrio racial" delineado naqueles planos. Ou de como bem intencionadas políticas de integração podem dar em discriminação racial. Esperamos pelo desfecho.

04 dezembro 2006

 

Camarate


A 4 de Dezembro de 1980 sete pessoas que seguiam a bordo do Cessna faleceram em Camarate.
Ao longo dos 26 anos que entretanto passaram, ano após ano, sempre que se aproximava a data desse macabro aniversário Camarate era chamado à colação e a interrogação sempre colocada e com respostas variáveis - atentado ou acidente?
Foi assim nos anos de 2000, 2001, 2002, 2003, 2005 (anos anteriores faltam por limitação da www e o ano de 2004 não terá sido excepção, as atenções estariam eram mais direccionadas para Santana Lopes?)
Está a ser assim no ano de 2006.
Com Procuradores Especiais, Julgamentos Especiais e prazos de prescrição especialíssimos.
Mas nem só nos jornais a tinta correu . Oito comissões parlamentares de inquérito, um Acórdão da Relação de Lisboa e um Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça aconteceram também.
26 anos volvidos retenho algumas das palavras do Presidente da República proferidas hoje referindo-se a esse acontecimento como o "desastre de Camarate" e, à pergunta do jornalista "Lamenta que o processo tenha tido este desfecho?", respondeu: "É uma matéria que compete às instâncias judiciais apreciar e eu tenho, como Presidente da República, que manifestar a minha confiança nas entidades judiciais do nosso País."
Não é preciso repetir pois não?
Se a alguns deputados não foi possível ouvir essas palavras aqui ficam ao vivo e a cores para a posteridade.

03 dezembro 2006

 

A justiça, segundo o padre Manuel Bernardes

Às vezes, também tomo desses “caldos suculentos de Bernardes e Vieira” de que falava Aquilino. Principalmente ao domingo, que, para além de dia santificado, também é de comidas mais substanciais, como o tradicional cozido à portuguesa.
De Bernardes, tenho cinco compactos volumes da “Nova Floresta” numa edição da Lello, com prefácio de Sampaio Bruno, que adquiri há cerca de uns três anos por uma pipa de massa. É do 1.º tomo que colho esta dissertação sobre a justiça:

“Que dizem as Escrituras? Que não queiramos ser mui justos (diz o “Eclesiastes”). “Nolli esse justus multum”. E, pois se o ser justo é bom, como não é bom o ser mui justo? Porque neste caso a sobra vem a ser míngua, e o excessivo se converteu em diminuto. (…)
⌠A⌡”equidade, pois que não é outra coisa que o ditame da razão natural na mente ou consciência do bom varão, obrigado a mitigar a lei quando é necessário, deve o juiz ter diante dos olhos, todas as vezes que condena ou absolve, e no princípio de seu ofício deve jurar de guardá-la, e por ela há-de interpretar os pactos, e por amor dela se há-de afastar às vezes do que pede de si a natureza dos contratos ou o teor das verbas do testador, e também outras vezes desprezar as solenidades que o direito pedia, e, finalmente, há-de fazer conta que a justiça (como discretamente disse um douto) é régua, não de bronze nem de chumbo, mas de madeira; não de bronze, porque este nunca dá de si nem cede; não de chumbo, porque também amolga facilmente e assim amolgado fica; mas de madeira, porque nas ocasiões que é necessário a verga e se arqueia e logo por si torna a endireitar-se”.

 

O ovo de Colombo lusitano

Somos, como se sabe, um país grandemente importador de bens essenciais. Mas não só. Também importamos com grande presteza ideias e modelos de outros povos avançados. Esta importação político-cultural tem sido incrementada nos últimos tempos, talvez devido ao influxo modernizador que nos leva a imitarmos, com um zelo meticuloso, o que os outros têm de mais saliente.
Assim é que já se anunciou publicamente que vamos importar da Dinamarca (os países nórdicos estão muito em voga entre nós) o regime da chamada flexisegurança. Um regime deveras avançado que se traduz em perder ou, pelo menos, renunciar a determinadas vantagens para ganhar outras em compensação. Isto no que toca às relações laborais, como é evidente, porque é por aí que todos os avanços se insinuam. Por exemplo: um trabalhador que renuncie a um aumento de salário pode vir a adquirir vantagens no campo da estabilidade do emprego. O ovo de Colombo, não é?
A este propósito, ouvi uma professora de ciências sociais alertar para os perigos de uma tal importação, porque a nossa sociedade é completamente diferente da dinamarquesa e se a flexisegurança encaixará bem nesta, na nossa pode ser um desastre. Ora, e se tal desastre viesse a acontecer, isso ser-nos-ia imputável? Não se poderia então objectar, como aquela personagem de “Hamlet”: “Há qualquer coisa podre no reino da Dinamarca”?
Outra das novidades que se pretende importar é a já célebre do “procurador especial”. Desta vez, a novidade a transplantar não vem de um país nórdico, mas da sólida democracia americana. O caso foi suscitado por Camarate. O inquérito parlamentar que concluiu pela existência de crime não teve eco nas autoridades judiciárias, mormente no Ministério Público? Ora, recorre-se a um “procurador especial”, que se encarregará de exercer a acção penal em casos que tais. Se a figura existe nos Estados Unidos da América, por que não há-de ser enxertada no nosso sistema? Mais uma vez o ovo de Colombo, não é?
Há quem objecte: “Cuidado! O nosso sistema não tem nada a ver com o americano. A importação da figura pode representar um entorse dos princípios que nos regem em matéria constitucional e processual penal”. Ora!, mas por que não meter a martelo no nosso sistema a figura do “procurador especial” com o argumento daquela personagem do “Retrato de Dorian Gray”, segundo o qual “os americanos não conhecem a tolice”?

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