28 agosto 2006

 

Roteiro




"Da lazarenta Cacilhas à piscosa Sesimbra são seis léguas por uma estrada atravessada de barrancos, que o tráfego do peixe arruinou. Grupos de pinheiros mansos, ramilhetes de oliveira e, de quando em quando, por um rasgão imprevisto, o esplêndido estuário do Tejo e ao longe Lisboa na moldura de terras a pique cor de barro. Dia de sol - primeiras flores nas árvores. Até próximo de Sesimbra, a estrada segue por terras uniformes cor de giz. De quando em quando, o panorama alarga-se e vê-se até ao mar. Reluz num fundo a chapa de aço da Lagoa. Mais para além, um grande areal indistinto. A certa altura, porém, começa a aparecer à esquerda o dorso formidável da Arrábida e algumas casinhas juntas com lindos nomes rústicos - Quintinha, Santana, Cotovia. Estamos perto. A carripana vai descendo para Sesimbra pela estrada em torcicolos, entre dois montes que se abrem, um com moinhos velhos afadigados lá no alto, outro com o castelo em ruínas como um queixal cariado. A vila em baixo fica aconchegada no regaço dos montes que a amparam e desce-lhe até aos pés - até ao grande areal exposto ao sul, que a ponta do Forte Cavalo limita à direita e o morro do Aguincho, acabando em focinho desmedido e brutal, limita à esquerda. A esta hora, seis da tarde, um está reduzido a sombra espessa e o outro escorre ainda o vermelho do último sol. Um grande forte de Lippe, raso com o mar, ao meio da praia cheia de barcos encalhados e de rebuliço humano. (...)"*


Escusado será dizer que estas palavras não são minhas. E não é por estarem entre aspas. Fosse eu e diria: "Na A2 sai-se na direcção de Sesimbra. A partir daí é sempre em frente até ao mar..."




*Raúl Brandão, Os Pescadores, Fevereiro de 1923





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