08 março 2006

 

Jorge Sampaio

No último dia do(s) seu(s) mandato(s), também eu quero aqui fazer o meu balanço da acção presidencial de Jorge Sampaio. E devo já dizer que a ideia global que tenho é negativa. É certo que tivemos um homem culto, tolerante, progressista na presidência durante 10 anos. Mas ele foi demasiadas vezes incoerente e inconsequente com o seu ideário, sempre na ânsia de parecer neutro, imparcial, abrangente, para ser reconhecido como "Presidente de todos os portugueses" (???), para não alienar nenhum sector de opinião, foi demasiado incoerente e inconsequente, hesitante, salomónico (denunciando claramente dificuldade em assumir frontalmente posições de ruptura), para que o seu exercício presidencial possa ser reconhecido como positivo e enriquecedor da silhueta constitucional da figura do PR. A posição errática que assumiu quanto à invasão do Iraque ficou como paradigma desse tipo de actuação.
Aliás, tudo fez Sampaio para reduzir a figura do PR. No início do seu segundo mandato, publicou um extenso artigo no Público, onde expunha desenvolvidamente a sua concepção parlamentarista do regime, esvaziando assim o mais possível os seus poderes. E foi essa a sua prática, evitando quanto possível o uso do direito de veto e de fiscalização preventiva da constitucionalidade, circunscrevendo a sua acção, e aí empolando-a a limites contestáveis, à "pedagogia" da democracia e da tolerância, e à prática da "magistratura de influência". É que não nos podemos esquecer que o PR em Portugal é eleito por sufrágio universal. Não se mobiliza todo um eleitorado (com a despesa que isso dá!) para eleger um presidente-pedagogo, um discreto promotor de consensos, um conselheiro do executivo. Para isso basta um presidente eleito por um colégio eleitoral alargado. É mais barato e faz o mesmo. Em Itália, o PR também faz (e muito) "magistratura de influência" e pedagogia da democracia e não é eleito universalmente.
O PR, na nossa Constituição, detém um implícito (mas efectivo) poder moderador, para além dos "poderes radicais" de demissão do Governo e de dossolução da AR. É essa a única leitura compatível com a legitimidade que retira da sua eleição por sufrágio universal.
A própria realidade se encarregou aliás de demonstrar que é assim: Sampaio viu-se obrigado a pôr de lado as suas teorizações e a dissolver a AR, tal era o descalabro da governação de Santana Lopes, apesar de esse governo ter maioria parlamentar! A interpretação correcta da Constituição impôs-se. E Sampaio sai da presidência conotado com uma visão semi-presidencialista do regime, ele que queria a todo o custo apresentar-se como o oposto!
Para lá de tudo isto, tem, no entanto, de reconhecer-se diversos méritos à acção de Sampaio (e por isso deixo esta parte para o fim!). Ele tem a seu favor o facto de ter colocado na ordem do dia certas matérias em que outros não queriam pegar. Foi o que aconteceu com a droga e a toxicodependência, onde assumiu iniciativas úteis, que tiveram algum alcande prático, e com a justiça, em que avançou com críticas e propostas ao sistema e ao seu funcionamento. O seu discurso na última sessão de abertura do ano judicial é um marco neste âmbito e foi vivamente aplaudida pela plateia heterogénea que o ouvia no STJ.
Duas últimas notas também muito favoráveis: a homenagem a Teixeira-Gomes (ontem à noite ouvi na TV um imbecil dizer que Teixeira-Gomes é um "vencido da vida"; e esse imbecil o que pensa que é, além disso mesmo?); e a visita ao Estabelecimento Prisional de Lisboa. Só o facto da visita aos reclusos seria simbolicamente muito significativa. Mas Sampaio aproveitou para fazeruma crítica e enviar um alerta quanto aos cúmulos de penas. Com muita pertinência, pois este é um dos pontos críticos do direito penal (ou da jurisprudência). Noutro momento direi mais sobre isto. Agora quero salientar que não é um dos méritos menores de Sampaio ter-se lembrado dos reclusos na hora da partida.





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