28 janeiro 2006

 

Um discurso do PR para ler e meditar

O discurso do PR na cerimónia de abertura do ano judicial, presumivelmente a última intervenção de Jorge Sampaio sobre a justiça, merece, pela sua inegável importância, sublinhada logo pela adesão que suscitou nos presentes, uma reflexão. E uma primeira reflexão aqui quero deixar.
Tirando a questão do "mapa judiciário", que não é uma questão menor, e em que me parece que o discurso erradamente sobrepõe uma lógica de racionalidade de gestão a uma perspectiva de proximidade da justiça aos cidadãos (que é um valor essencial!), creio que o PR alinhou uma série de considerações não só pertinentes, como lapidares, e a merecerem meditação pelos diversos destinatários (porque eles são efectivamente diversos: Governo, grupos parlamentares, magistrados, advogados, funcionários judiciais, jornalistas...).
Dentre a multiplicidade de questões por ele abordadas, quero salientar as que se seguem. A começar pela questão responsabilidade/independência dos juízes. Muito claro ficou a necessidade de respeito da parte dos juízes, e magistrados em geral, pelos direitos fundamentais, pela protecção dos direitos de todos os intervenientes no processo. Mas simultaneamente o PR frisou que a responsabilidade dos juízes assenta necessariamente no dolo, sob pena de lesão da sua independência de julgar. Uma clarificação muito importante esta!
Quanto às escutas telefónicas, insistiu na conveniência em que só sejam admissíveis num catálogo restrito de crimes, estejam sempre sob controlo efectivo do juiz de instrução e que seja proibido recorrer a elas fora de um inquérito criminal. E advertiu ainda contra a «tentação» de criar uma instituição exterior ao sistema judicial para controlar a legalidade das escutas. Estamos aqui no âmago desta questão central para o processo penal e para a democracia. As escutas telefónicas são necessárias, mas o princípio da proporcionalidade impõe que elas sejam limitadas ao mínimo essencial para salvaguarda de valores fundamentais. Daí que se imponha o tal "catálogo restrito de crimes". Mas sempre se dirá aqui que não podem ficar excluídos desse catálogo precisamente aqueles crimes altamente danosos para o Estado e para a comunidade que assentam no acordo entre sujeitos activo e passivo, dissimulando e dificultando ao máximo a descoberta do facto criminoso (caso da corrupção, obviamente!).
O controlo efectivo do juiz de instrução é também absolutamente essencial, embora aqui deva eu acrescentar que esse controlo se deve limitar ao controlo da legalidade e não ao controolo do material a seleccionar para o inquérito, tarefa que deve caber ao MP, enquanto dominus do inquérito.
A defesa da proibição de escutas fora de um inquérito, agora que há quem proponha publicamente a sua extensão às actividades de "informação" (SIS), é também muito oportuna.
E também de evidente oportunidade é a contestação da eventual entrega do controlo da legalidade das escutas a uma entidade externa (solução que parece ter largas "simpatias" na AR!). Criar um tal mecanismo seria, sem qualquer dúvida, um atentado ao princípio da separação de poderes e consequentemente uma rotunda inconstitucionalidade!
O PR terminou preconizando, para a resolução dos problemas da justiça, um acordo entre todos os responsáveis, políticos e judiciários, o que não pode deixar de ser visto como uma "recomendação" ao Governo... E, mesmo a terminar, indicou como itens obrtigatórios desse acordo a independência dos juízes, a autonomia do MP («elementos essenciais da nossa democracia», sic) e o «adequado controlo das polícias de investigação criminal».
Muitos, muitos "recados" para o legislador! E também para os magistrados e os outros destinatários, que o devem meditar. É um discurso a revisitar com vagar.





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