16 janeiro 2006

 

Política criminal: vinculações e interrogações

Saber quem e como vinculam as resoluções sobre política criminal, segundo o projecto legislativo divulgado, coloca algumas interrogações.
Nos termos do projecto do Governo, a “política criminal” é fixada pela AR através de resoluções, sob proposta do Governo. Uma vez aprovadas, as resoluções vincularão esses dois órgãos de soberania, e apenas eles. O PR não fica vinculado, porque não participa do processo de decisão: as resoluções, nos termos da própria Constituição (art. 166º, nº 6), não são promulgadas.
E quanto aos “destinatários”? Em primeiro lugar, quem são os destinatários? O nº 2 do art. 11º diz que o MP assume os objectivos e adopta as prioridades e orientações das resoluções. Mas mais adiante o art. 13º, nº 1 estabelece que compete ao PGR «emitir as directivas, ordens e instruções destinadas a fazer cumprir as resoluções sobre a política criminal». Assim, o PGR é o destinatário único das resoluções sobre política criminal. Os magistrados do MP são, por sua vez, destinatários das directivas do PGR.
Daqui resulta o seguinte: os membros do MP estão obrigados ao cumprimento das directivas, ordens e instruções do PGR nos termos do seu Estatuto, que estabelece certas restrições aos poderes directivos do PGR, concretamente o dever de recusa do cumprimento de ordens ilegais e o direito de objecção de consciência com fundamento em grave violação da consciência jurídica. Portanto, as directivas dimanadas pelo PGR nos termos da futura (?) lei de política criminal não terão “estatuto” diferente das restantes, o mesmo acontecendo com a responsabilidade face às infracções cometidas.
Quanto ao PGR, o projecto legislativo não diz que ele fica vinculado pela resolução da AR, até porque ele será o intérprete ou mediador “normativo”. Ele deverá assumir os objectivos da resolução e dar-lhes corpo e viabilidade. Daqui que a “vinculação” e a responsabilização do PGR sejam de ordem política. A recusa ou a “má assunção” da resolução de política criminal deverão ser avaliadas politicamente.
Mas surge aqui um problema: é que, nos termos constitucionais, o PGR é responsável perante o Governo, que o propõe, e o PR, que o nomeia. A AR não tem qualquer participação nesse processo; pode apenas “fiscalizar” a acção do PGR, chamando-o a uma comissão especializada para responder a perguntas, mas não pode desencadear o processo de demissão, ainda que tenha perdido a confiança nele. Isto significa que a AR, mesmo que venha futuramente a considerar que o PGR não assumiu ou não assumiu devidamente a sua política criminal, não pode responsabilizá-lo, a não ser através de uma recomendação dirigida ao Governo (parece que é isso que resulta do art. 14º, nº 4 do projecto).
Já o Governo, poderá tomar a iniciativa de propor a demissão. Mas, não tendo o PR participado no processo de aprovação da resolução de política criminal, não estando a ela vinculado, pode recusar a proposta.
Numa hipótese dessas, nada inverosímil, a execução da política criminal encontrar-se-ia num beco sem saída.





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